Confira o discurso da presidente do Grupo O POVO, Luciana Dummar

A jornalista destacou a importância de pensamento e ações coletivos
08:40 | 20 de jul de 2016 Autor: Joelma Leal
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O discurso foi um dos momentos mais emocionantes da solenidade

Texto da presidente do Grupo de Comunicação O POVO, jornalista Luciana Dummar, durante o lançamento do Anuário do Ceará 2016-2017:


Todos os anos nos reunimos para celebrarmos juntos essa publicação que diz muito a respeito do Ceará e de nós cearenses. O Anuário do Ceara é o mais longevo documento jornalístico do Estado. As primeiras edições do Anuário remontam meados do século XIX e abordavam o Brasil do imperador Dom Pedro II e a brilhante trajetória do senador cearense José Martiniano de Alencar, pai do escritor José de Alencar. De lá para cá, mais de 160 anos passaram. Muita coisa aconteceu. O Brasil e o Ceará mudaram. O mundo mudou. Nós mudamos. Essa linha do tempo foi registrada e datada pelo Anuário do Ceará e constitui numa importante e indispensável ferramenta de pesquisa para entendermos o que somos, de onde e como viemos, principalmente, para onde desejamos ir.


Durante esse longo caminho, o Anuário do Ceará foi elaborado por gerações de jornalistas, artistas, economistas, empresários, escritores, gestores públicos, estatísticos, advogados, poetas... Todos escribas. As antigas civilizações possuíam seus escribas a registrar em papiros e tábuas, seus costumes, códigos, guerras e todo seu conhecimento acumulado. Esses registros nos permitiram, por exemplo, lermos Aristóteles, tal qual ele escreveu no século IV antes de Cristo, sobre física, poesia, gestão, ética, e biologia. Daí, uma reflexão se apresenta para todos nós: todo esse conhecimento acumulado, do grego Aristóteles ao americano Steve Jobs, é fruto de uma inteligência coletiva, sequenciada e conectada. E não existe conhecimento sequenciado e conectado sem o advento da escrita com tábuas, papiros e livros e consequentemente das plataformas de mídia do seculo XXI.


O Anuário é fruto dessa inteligência coletiva. Uma inteligência de todos nós cearenses, nativos e adotivos. Nós, editores do Grupo de Comunicação O POVO, somos apenas os escribas dessa história. Para compreendermos o que podemos chamar de inteligência coletiva, podemos pensar num martelo pré-histórico, de meio milhão de anos e um teclado bluetooth de um computador de última geração. Vamos pensar. Ambos foram projetados ergonomicamente para adaptar-se à mão humana. No entanto, eles são completamente diferentes. Enquanto o martelo de pedra é resultado da habilidade de um só individuo, o teclado sem fio é fruto de muitos itens conectados do conhecimento. Inteligência? Conhecimento acumulado? Uma evolução? Sim, sem dúvida! Mas se ignorarmos o “coletivo”, de pouco vale a conquista.


Permitam-me, preciso falar disso. Não dá para fugir do tema. Como escreveu Clarice Lispector: “falar no que realmente importa, muitas vezes é considerado uma gafe”. Pois vou cometer essa gafe, perdoem-me. Pergunto a todos aqui presentes: não deveriam nossas melhores mentes estarem dedicadas a solucionar nossos problemas enquanto sociedade e comunidade? Milênios, séculos, décadas de conhecimento acumulado. Se tudo isso não servir para evitarmos mortes de crianças de sarampo, meningite, malária, pneumonia, hepatite B, febre amarela, desnutrição, o conhecimento não foi inútil? Incompleto? Se toda essa inteligência não evita a discriminação contra negros, nordestinos, pobres, evangélicos, gays, umbandistas... Se com toda admiração que a elite brasileira tem pelos países do primeiro mundo, ainda discutimos e debatemos os direitos das empregadas domésticas, pergunto mais uma vez: não deveriam nossas melhores mentes estarem dedicadas a solucionar nossos problemas coletivos, sociais? Precisamos entender que estamos todos conectados. Somos partes de um todo.


Se há uma criança no Bom Jardim que não sabe ler, isso nos importa. Se acontece uma chacina em Messejana, guerra de gangues? Isso nos diz respeito. Afinal, como podemos deixar esses jovens morrerem? Não temos nada a ver com isso? Não nos diz respeito? Diz o dramaturgo alemão, Bertold Bretch, num de seus mais conhecidos textos: “O analfabeto político se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia política e os políticos. Mal sabe ele que dessa ignorância nasce a prostituição infantil, menores abandonados e mulheres violentadas”.


Não podemos ser analfabetos políticos. Analfabetos que reduzem uma discussão e um confronto entre bandeiras azuis e bandeiras vermelhas. Somos mais que isso. Somos mais que dois polos. Dois lados. Somos todos políticos, com mandatos ou não. Filiados a partidos ou não. Somos todos políticos e devemos acreditar que reduzir a desigualdade é a maior realização humana! Para isso serve fazermos política! Acreditem, só vamos alcançar essa realização através da democracia. Através de uma educação pública forte, acessível, um sistema de saúde de qualidade e de políticas públicas que permitam oportunidades econômicas e sociais para todos! Sem demagogia! Não podemos falar em igualdade de direitos e deveres numa sociedade tão desigual. Não existirá um futuro melhor sem participação política, sem empresários com uma visão de mercado que inclua as pessoas, sem um capitalismo criativo, sem economia solidária. Não existirá futuro sem diálogo social. Não existirá futuro melhor sem uma imprensa plural, livre, crítica e provocativa.


O analfabetismo político é maior quando não temos uma elite com compromisso social e coletivo. Falo de elite na primeira pessoa do plural. Nós somos essa elite. Somos elite social, econômica, cultural. Somos os detentores de grande parte desse conhecimento sequenciado e integrado. Não podemos fugir de nossa responsabilidade. Precisamos praticar mais o coletivo. Precisamos construir um presente melhor para todos e acreditar que o futuro pode ser diferente do passado.


Na língua tupi, dos indígenas brasileiros, existem duas formas de utilizarmos a expressão “nós”: ore e iandé. Ore, como pronome pessoal, exclusivo. Iandé, com pronome pessoal, inclusivo. Iandé brasileiros. Nós somos brasileiros. Ainda somos muito “ore” quando deveríamos ser mais “iandé’. Precisamos de diálogo. Precisamos do debate. Isso é salutar. Para isso, jornais, rádios, TVs, portais. Imprensa provocativa, livre. Para isso, documentos com profundidade, como o Anuário do Ceará. Precisamos descansar nossas espadas. Devemos fundir o aço de nossas lanças e escudos e moldar cabos de pontes de metal. pontes que possam transpor canais, rios e abismos. Isso não se faz senão com pensamento coletivo. Nossa vida no planeta é tão curta e o trabalho a ser feito é grande demais para realizarmos sozinhos e divididos. Precisamos de um pensamento iandé.


Meus amigos e amigas, todos os dias, de domingo a domingo. Há quase 90 anos, o Jornal O POVO constrói pontes, diálogos, combate o preconceito, derrete os metais das armaduras e os transforma em bancos de praça. Foi num desses bancos, que Demócrito Rocha fundou o Jornal em 1928. De lá, pra cá, essa casa, no nosso papel de escribas, informamos, formamos opinião e enriquecemos o debate em nossas páginas, home pages, programas de rádio e TV. Através das plataformas O POVO, o Ceará lê, assiste, ouve e escuta, acessa e compartilha todas as opiniões, de todas as matizes ideológicas, vertentes políticas, credos e colorações sociais. Desde Demócrito Rocha, o Jornal O POVO continua como uma praça deve ser. Um espaço democrático e coletivo.


Hoje, eu agradeço a todos que contribuíram e contribuem para a construção de uma dessas fontes indispensáveis para quem deseja entender o Ceará e os cearenses. O Anuário do Ceará. Agradeço aos patrocinadores, apoiadores e anunciantes. Agradeço aos editores, jornalistas Fábio Campos, Jocélio Leal e Joelma Leal.


Agradeço viver esse momento. Agradeço a todos que constroem dia a dia, o Grupo de Comunicação O POVO. Agradeço aos amigos. Ao Ceará e aos nossos irmãos cearenses. Agradeço a minha família, agradeço a meu pai de quem herdei o senso e o valor do pensamento coletivo. Agradeço a vida. Como versa a poetisa chilena Violeta Parra: “graças à vida que me deu tanto. Tem me dado o riso e me dado o pranto. Assim eu distingo alegria da aflição. Os dois materiais que formam meu canto. E o canto de vocês que é o mesmo canto. E o canto de todos que é meu próprio canto”.


Iandé cearenses. Iandé brasileiros!