Tratar os municípios juntamente com a União, Estados e Distrito Federal como entes federativos, com autonomia administrativa, política e financeira, foi uma inovação trazida pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 - Arts. 1º e 18º (BRASIL, 2021).
Isso levou à necessidade de aumento dos repasses financeiros municipais advindos da participação nos tributos federais e estaduais e demais transferências de recursos, como forma de complementar as receitas próprias daqueles entes federativos.
Conforme Meireles (2008), quatro princípios fazem parte da chamada autonomia municipal: “i) poder de auto-organização (elaboração de lei orgânica própria); ii) poder de autogoverno (eleição do prefeito, do vice-prefeito e dos vereadores); iii) poder normativo próprio ou auto legislação (elaboração de leis municipais dentro dos limites de atuação traçados pela Constituição da República); e iv) poder de autoadministração (administração própria para criar, manter e prestar os serviços de interesse local, bem como legislar sobre os tributos e suas rendas)”.
Os resultados alcançados a partir dos princípios “poder de auto-organização” e principalmente “poder de autoadministração” estão diretamente relacionados ao que se espera de uma gestão pública ideal.
Para que o município consiga avançar, melhorando a qualidade de vida dos seus cidadãos, entendendo e superando seus limites e desafios, faz-se necessário um aprimoramento na qualidade da gestão pública municipal, que somente será possível a partir de políticas públicas baseadas em evidências.
Diante disso, surgem algumas questões relevantes: quais são os municípios que se destacam com algum modelo a ser estudado e seguido? Em que áreas estes municípios mais se destacam? Como mensurar resultados de várias ações da gestão de um município para poder comparar a performance deles? Que técnicas podem e devem ser empregadas para monitorar e avaliar os esforços e os resultados de cada gestor municipal?
No sentido de responder a essas questões, algumas instituições desenvolveram, cada uma com seu propósito, índices capazes de captar os resultados das gestões públicas municipais.
A título de exemplo, referenciam-se algumas experiências de instituições na elaboração de índices de gestão pública municipal, a saber: Índice de Efetividade da Gestão Municipal (IEGM); Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF); Índice CFA de Governança Municipal (IGM-CFA); e Ranking de Competitividade dos Municípios, conforme a seguir.
1.1 Índice de Efetividade da Gestão Municipal - IEGM
Em sua 1ª edição, lançada pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP), em outubro de 2014, o Índice de Efetividade da Gestão Municipal - IEGM (TCESP, 2019) teve por finalidade analisar a eficiência das prefeituras paulistas, isto é, medir a “qualidade dos gastos municipais e avaliar as políticas e atividades públicas do gestor municipal, bem como verificar, ao longo do tempo, se a visão e objetivos estratégicos dos municípios estão sendo alcançados de forma efetiva”.
Após duas edições, o IEGM tornou-se um índice extensível a todos os Tribunais de Contas do Brasil, por meio da Rede Nacional de Indicadores Públicos (Rede Indicon) em parceria com o Instituto Rui Barbosa (IRB)¹, e passou a ser denominado IEGM/Brasil.
A Rede Indicon realiza a validação do IEGM e a revisão metodológica, enquanto o IRB disponibiliza a tabela estruturada de dados do IEGM, que é a base para os Tribunais de Contas aplicarem o questionário do indicador.
1.2 Índice Firjan de Gestão Fiscal - IFGF
A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan)², cujo foco é a competitividade das indústrias e o desenvolvimento econômico, elaborou um índice que auxilia os gestores públicos a entenderem a qualidade da sua gestão fiscal, de forma a mostrar que pontos precisam ser melhorados a fim de atrair mais indústrias.
O Índice Firjan de Gestão Fiscal - IFGF (FIRJAN, 2018) foi lançado em 2012, com o objetivo de analisar a eficiência da gestão fiscal, a partir da administração dos recursos públicos por parte das prefeituras com vistas à melhoria do ambiente de negócios nos municípios.
A princípio, essa análise se daria apenas nos municípios do estado do Rio de Janeiro, mas, dada a relevância da questão, resolveu-se analisar também as contas de todos os municípios brasileiros.
Além do seu objetivo principal, o IFGF contribui para auxiliar os gestores municipais na administração das contas públicas com eficiência; ajudar os cidadãos no controle social sobre a administração dos recursos públicos; e permitir aos investidores avaliarem as melhores opções de ambiente de negócios.
1.3 Índice CFA de Governança Municipal - IGM-CFA
De acordo com a Lei nº 4.769/1965, o Conselho Federal de Administração (CFA) é o órgão normativo, consultivo, orientador e disciplinador que tem como finalidade controlar e fiscalizar o exercício da profissão de Técnico de Administração (BRASIL, 1965) bem como das atividades administrativas e financeiras do Sistema CFA/CRAs.
Em 2016, o CFA criou o Índice CFA de Governança Municipal (IGM-CFA)³, com o objetivo principal de auxiliar os gestores públicos a conhecerem melhor as necessidades dos seus municípios bem como boas práticas de gestão e possíveis oportunidades para melhorar a gestão municipal.
O Índice também se propõe a: estimular a participação social e uma maior integração do governo com a sociedade; orientar o setor privado em suas ações voltadas para o desenvolvimento local; e facilitar diversas análises e pesquisas sobre a realidade dos municípios brasileiros.
1.4 Ranking de Competitividade dos Municípios
O Centro de Liderança Pública (CLP), fundado em 2008, tem como objetivo “formar líderes públicos com foco na promoção de transformações sociais por meio da eficácia da gestão e da melhoria da qualidade das políticas públicas”.
Em 2011, o CLP, em parceria com a Economist Intelligence Unit e Tendências Consultoria Integrada (a partir de 2015), elaborou o Ranking de Competitividade dos Estados, criado com o objetivo de subsidiar a gestão pública, ao apontar os resultados obtidos a partir das ações dos governos estaduais, apresentando informações para a elaboração de políticas baseadas em evidências.
Além disso, o ranking provoca a competitividade saudável entre as unidades federativas com a finalidade de estimular seus líderes a repensarem o tema gestão pública com base em monitoramento e avaliação dos seus indicadores.
Em 2021, o CLP lançou o Ranking de Competitividade dos Municípios⁴, com o mesmo objetivo, porém voltado para a gestão municipal, ou seja, com “o intuito de gerar diagnósticos e direcionamentos para a atuação dos líderes públicos municipais” (CLP, 2021).
O referido ranking municipal tem como objetivo servir como um sistema de incentivo e fiscalização à legislação e aos gestores públicos; como um mecanismo de avaliação e cobrança de resultados por parte dos cidadãos; e por fim, como instrumento de promoção de melhores práticas na gestão pública municipal. O ranking foi aplicado para aqueles municípios do País com população acima de 80 mil habitantes, de acordo com a estimativa do IBGE⁵, exceto Brasília.
1.5 Índice Comparativo de Gestão Municipal - ICGM
Entendendo a necessidade de analisar e auxiliar, com evidências, a gestão pública municipal cearense, o Ipece buscou desenvolver uma metodologia própria focada na realidade e na especificidade dos municípios do Ceará.
Em 2018, o Instituto propôs o Índice Comparativo de Gestão Municipal (ICGM) a partir de cinco dimensões: Gestão Fiscal, Planejamento, Transparência, Resultado e Eficiência, capazes de analisar o desempenho dos gestores municipais. Após aperfeiçoamento metodológico, baseado na literatura mais recente, o ICGM passou a abordar um número maior de indicadores, distribuídos em quatro dimensões essenciais: Planejamento, Recursos Financeiros, Serviços e Transparência, conforme Figura 1.
Figura 1: As quatro dimensões do Índice Comparativo de Gestão Municipal (ICGM).
Fonte e elaboração: Ipece.
No Planejamento, faz-se necessário analisar a capacidade do poder público municipal de pagar as despesas dentro do próprio exercício, obedecendo ao seu planejamento orçamentário, e sua capacidade de obter recursos de transferências por meio de convênios com outros entes. São utilizados dois indicadores: Captação de Recursos e Restos a Pagar Pagos.
Com relação aos Recursos Financeiros e tendo como base a execução orçamentária, percebe-se a necessidade de identificar e monitorar fatores como a rigidez das despesas orçamentárias e o esforço do poder público municipal em aumentar ou diversificar suas fontes de recursos próprios.
Esta dimensão é composta por sete indicadores distribuídos em três grupos: Grupo 1 - Composição das Receitas formada por dois indicadores: Independência Tributária e Complexidade Tributária; Grupo 2 - Alocação das Despesas, também com dois indicadores: Despesa de Pessoal e Investimentos; e Grupo 3 - Comprometimento da Receita Corrente Líquida, com três indicadores: Gasto com Pessoal pela Receita Corrente Líquida; Gasto com Saúde pela Receita Corrente Líquida; e Gasto com Educação pela Receita Corrente Líquida.
No aspecto de Serviços, busca-se avaliar a qualidade dos serviços prestados pelo poder público municipal aos seus cidadãos, em pelo menos três pontos: educação, saúde e meio ambiente. Para tanto, usam-se três indicadores: Índice de Qualidade da Educação; Índice de Qualidade da Saúde; e Índice de Qualidade do Meio Ambiente, índices já consolidados e de reconhecimento no meio científico. São oriundos da metodologia do Cálculo da Cota Parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), elaborados anualmente pelo Ipece.
Por fim, a Transparência. Deve-se analisar o compromisso de diálogo e interação com a sociedade e principalmente a prestação de contas com os contribuintes, apresentando lisura no bom uso do dinheiro público, além de ser uma obrigação legal. Essa dimensão tem apenas um indicador: Indicador de Transparência.
A princípio, essas quatro dimensões parecem contribuir isoladamente, mas há interação e integração entre elas. A exemplo, não adiantará a posse de Recursos Financeiros se não houver Planejamento bem executado nem transparência sem a presença de serviços de qualidade.
A partir desse entendimento, é possível compreender a relevância do ICGM para a gestão pública, como um importante instrumento de análise da eficiência e efetividade das ações dos prefeitos, possibilitando um maior conhecimento da realidade dos municípios cearenses. Além de gerar informações para estudos e pesquisas, o índice incentiva a gestão pública na elaboração de políticas para o desenvolvimento local e a atração de novos investimentos do setor privado.
Com o resultado do cálculo do ICGM, será possível criar um ordenamento, por valores, dos municípios que registram os maiores até os menores valores. Ao comparar indicadores econômicos, sociais, ambientais e institucionais, provoca-se uma competitividade saudável entre os municípios cearenses, o que leva ao estímulo dos gestores públicos municipais a repensar sua administração, além de incentivar a cobrança de resultados por parte dos munícipes, aumentando a integração do governo e a sociedade.
Cabe salientar que o ganho ou a perda intertemporal da posição do município no Ranking é relativo, ou seja, depende tanto do desempenho da gestão daquele município quanto de seus pares.
Por fim, a partir da identificação das necessidades e realidades dos municípios, apontadas pelo ICGM, o gestor estadual poderá orientar sua tomada de decisão e elaboração de políticas públicas.