Geopark Araripe

Geopark Araripe é mais que um parque geológico. É a memória da vida que habitou o planeta

Capítulo Especial 2020-2021

Geopark Araripe


O Geopark Araripe é um patrimônio que extrapola as fronteiras do País. A Global Geoparks Network (GGN, ou Rede Global de Geoparques) incluiu o Geopark Araripe no seu rol em 2006. Em 2015, a Unesco o designou como Geoparque Mundial Unesco, uma chancela cujo propósito é difundir a educação ambiental de modo interativo.


Ao todo, uma área de aproximadamente 5.000 km² e uma imensidão de potencial cultural, econômico e social. O capítulo especial deste ano, referência para o projeto gráfico da edição, é o Geopark Araripe.


Como tudo começou

Como tudo começou


Há milhões de anos, o Ceará foi a morada de seres pré-históricos cuja presença pode ser percebida ainda hoje. Dividido em nove geossítios, o Geopark Araripe é mais que um parque geológico. É a memória da vida que habitou o planeta e deixou elementos que fazem do território um verdadeiro patrimônio histórico não só nacional, mas mundial.


Primeiro da América Latina e Caribe, o Geopark Araripe abriga registros geológicos do período Cretáceo, com fósseis de seres que habitaram a região entre 120 milhões a 100 milhões de anos atrás. Ainda hoje, é possível visualizar materiais em notável estado de preservação. Os registros contemplam uma enorme diversidade paleobiológica, que vai desde animais invertebrados a seres vertebrados, passando por vegetais que compuseram a paisagem do planeta em eras passadas.


De acordo com a Global Geoparks Network (GGN, ou, em tradução para o português, Rede Global de Geoparques), o Geopark Araripe ocupa uma área de aproximadamente 5.000 km², um território que compreende a Bacia Sedimentar do Araripe e que se expande pelos municípios cearenses de Barbalha, Crato, Juazeiro do Norte, Missão Velha, Nova Olinda e Santana do Cariri, chegando aos estados de Pernambuco e Paraíba.



Mas o que levou distintos estágios geológicos para tomar forma só se transformou em geoparque, como hoje conhecemos, há pouco tempo, a partir da iniciativa de pesquisadores e entusiastas que reconheceram a importância paleontológica, científica e educativa abrigada na região sul do Estado. Em 2005, foi encaminhada à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) uma proposta de candidatura visando à inserção do Geopark Araripe na GGN.



De acordo com o professor da Universidade Regional do Cariri (Urca), Patrício Melo, um dos colaboradores da proposta de candidatura, o mapeamento da área que receberia a chancela de pertencimento à GGN foi uma das exigências feitas pelo órgão internacional. Para isso, foram necessários diversos levantamentos para comprovar a importância histórica da região em relação a outras áreas do globo. No caso da região onde hoje está situado o Geopark Araripe, os estudos desenvolvidos ao longo de décadas foram fundamentais para embasar a certeza de que o território foi testemunha da evolução da vida no nosso planeta. Mas o levantamento foi além.



“Nós fizemos um estudo geológico, ambiental e paleontológico que levou em conta as potencialidades culturais e de viabilidade econômica e turística da região. Já sabíamos que tínhamos, aqui, pontos estratégicos de biodiversidade. Acerca da paleontologia, temos fósseis raros e de idades geológicas muito distintas. Em Missão Velha, por exemplo, há fósseis de floresta de pinus de uma idade em que não existiam flores. Já em Santana (do Cariri) temos registros de flores, plantas e insetos que denotam um tempo geológico diferente do acervo encontrado em Missão Velha”, detalha.


A iniciativa, de autoria da Urca, em parceria com a Secretaria da Ciência, Tecnologia e Educação Superior (Secitece), do Governo do Estado do Ceará, foi o pontapé para garantir que, em setembro de 2006, o Geopark Araripe fosse reconhecido como parte da GGN, durante a 2nd Unesco Conference on Geoparks, realizada em Belfast, na Irlanda do Norte. Assim, o Geopark Araripe passou a integrar uma rede global de proteção a territórios que guardam heranças geológicas. “O projeto Geoparks da Unesco é a principal estratégia de desenvolvimento territorial internacional que existe na atualidade”, define Allysson Pinheiro, professor da Urca e colaborador do Geopark Araripe.

O que é um GEOPARQUE?



São áreas geográficas de significado geológico internacional gerenciadas sob os conceitos de proteção, educação e desenvolvimento sustentável. Um geoparque alia a herança geológica que possui a outros aspectos do patrimônio natural e cultural de determinada região, a fim de expandir a conscientização sobre a importância do patrimônio geológico de determinadas regiões para a história e a sociedade de hoje. Além de fomentar um sentimento de orgulho entre os moradores da região onde estão situados, os geoparques fortalecem a identificação dessa população com a área a partir da criação de empresas locais inovadoras, novos empregos e cursos de treinamento, estimulados à medida que novas fontes de receita são criadas com base no geoturismo sustentável, sem deixar de lado a proteção dos recursos geológicos.


Fonte: Global Geoparks Network (GGN) www.globalgeopark.org


Sobre a GGN



A Global Geoparks Network (GGN) é uma organização legal sem fins lucrativos com uma taxa de associação anual. Fundada em 2004, a rede busca trabalhar em parceria a partir de encontros bianuais em que são trocadas ideias a fim de melhorar práticas e fomentar projetos comuns para elevar os padrões de qualidade dos produtos e ações desenvolvidas nas regiões dos geoparques. A lista de geoparques espalhados pelo mundo contempla 140 unidades, sendo a China o país com o maior número de áreas desse tipo registradas, 37 ao todo.


Fonte: Global Geoparks Network (GGN) www.globalgeopark.org


Diversidade geológica

Segundo a publicação Geopark Araripe: histórias da terra, do meio ambiente e da cultura, a Bacia Sedimentar do Araripe preserva fósseis de: “invertebrados (crustáceos, conchostráceo, insetos, aracnídeos, caranguejos e escorpiões), vertebrados (peixes, anuros, pterossauros, quelônios, crocodilianos e aves) e vegetais (algas, samambaias, gimnospermas e angiospermas). Dentre os insetos, inúmeros grupos foram identificados no membro Crato, entre eles: ensíferos (grilos), efemerópteros (efêmeras), hemípteros (percevejos), himenópteros (vespas e formigas), neurópteros (formigas de asas), homópteros (cigarrinhas), blatópteros (baratas), isópteros (térmitas), dermápteros (lacraias), coleópteros (besouros), lepidópteros (borboletas), tricópteros (pequenas mariposas), celíferos (gafanhotos) e dípteros (moscas e mosquitos)”.



Avaliações

A cada quatro anos, técnicos da Unesco de diferentes nacionalidades são designados a visitar o Geopark Araripe para verificar quais cuidados estão sendo implementados na preservação do território, se a administração do geoparque seguiu as orientações do plano de gestão e quais rumos são recomendados para os anos seguintes.


“É quando a gente recebe cartão verde, que é bom, ou cartão amarelo, que diminui o intervalo de avaliação para dois anos. Também podemos receber o cartão vermelho, que significa a perda do credenciamento junto à GGN”, explica Patrício Melo, professor da Urca e colaborador do Geopark Araripe.


Antes de receber os avaliadores, são enviados à Unesco documentos e formulários minuciosos acerca da administração realizada nos últimos quatro anos em áreas como educação ambiental, geoturismo, comunicação e gestão. A visita tem o objetivo de confirmar se as ações indicadas estão de fato sendo executadas.


Futuros geoparques

Segundo Nivaldo Soares, diretor-executivo do Geopark Araripe, há outras candidaturas em todo o País que buscam o reconhecimento da Unesco para integrar a rede de geoparques que existe ao redor do mundo. O gestor aponta que as regiões do Seridó, no Rio Grande do Norte, e de Uberaba, em Minas Gerais, são exemplos de candidaturas em estágio avançado de aprovação.


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Imagem - Roteiro: Conheça os geossítios
geossítio batateiras

Localizado no sopé da Chapada do Araripe, mais especificamente no município do Crato (CE), o Geossítio Batateiras é um berço de lendas indígenas distante 3 km da sede administrativa do Geopark Araripe. Integrante da área do Parque Estadual Sítio Fundão, o geossítio é cortado pelo rio Batateira, próximo à cascata do Lameiro. Entre as trilhas ecológicas do lugar, é possível observar a única casa de taipa com primeiro andar registrada nesse modelo, bem como as ruínas de um engenho de cana-de-açúcar construído no século XIX. A região possui várias nascentes que se tornaram balneários para a comunidade do entorno. De acordo com a publicação Geopark Araripe: histórias da terra, do meio ambiente e da cultura, o lugar apresenta uma intercalação de arenitos com uma rocha argilosa de cor escura (folhelho), sequência que caracteriza um ambiente fluvial sob clima quente e de semiárido, datado de 115 milhões de anos (Período Cretáceo). As condições naturais permitiram a formação de petróleo e gás, mas em quantidades insuficientes para exploração.


Geossítio Cachoeira de missão velha

Quedas-d’água de aproximadamente 12 metros de altura formadas pelo rio Salgado caracterizam este geossítio, localizado a 3 km da sede do município de Missão Velha. Permeada por lendas, a história do geossítio é marcada como um dos poucos lugares onde era possível encontrar água durante todo o ano em tempos de escassez. O lugar guarda vestígios das primeiras ocupações humanas, datadas de tempos pré-históricos. O arenito de formação Cariri encontrado nas rochas da região possui aproximadamente 420 milhões de anos (Período Siluriano) e foi depositado a partir da invasão de águas de um mar raso que antecedeu a formação da Bacia Sedimentar do Araripe. O lugar preserva icnofósseis, vestígios da atividade de organismos que, neste caso, são representados por invertebrados aquáticos de aspecto vermiforme.


Geossítio Colina do horto

Fortemente caracterizado pelo aspecto histórico-religioso, este geossítio guarda lembranças de uma das maiores figuras da política e da religião do Brasil, o Padre Cícero Romão Batista. Localizado a 3 km da cidade de Juazeiro do Norte (CE), o lugar compreende a estátua de 27 m de altura do religioso, erguida em 1969. A região também contempla outros importantes pontos turísticos da região, como o Museu Vivo do Padre Cícero, a Igreja do Senhor Bom Jesus do Horto e a trilha de acesso ao Santo Sepulcro, local de romarias onde foi enterrado um dos beatos que viveu na época do Padre Cícero. A Colina do Horto é considerada o acidente geográfico mais importante de Juazeiro do Norte e está completamente localizada na zona urbana. O Geossítio Colina do Horto possui substrato rochoso formado por rochas graníticas de aproximadamente 650 milhões de anos. Trata-se de um tipo de rocha formado pelo lento resfriamento do magma a alguns quilômetros de profundidade na Terra e que alcançou a superfície graças aos movimentos das placas tectônicas e pela erosão das rochas que estavam por cima. Foi essa exposição que, após processos erosivos, deu origem aos grandes blocos de granitos facilmente visualizados no Santo Sepulcro.


Geossítio Floresta Petrificada do Cariri

Detentor de uma das mais importantes reservas paleobotânicas do Geopark Araripe, o geossítio localiza-se no Sítio Olho D’água Comprido, a 6 km a sudeste de Missão Velha (CE), em uma localidade conhecida como Grota Funda. Na região, é possível acessar um valioso acervo de rochas avermelhadas, o arenito da Formação Missão Velha, com cerca de 8 m de espessura. Lá estão fragmentos de troncos petrificados com aproximadamente 145 milhões de anos (Período Jurássico), resquícios de uma região de colinas com florestas e rios que transportavam troncos de coníferas com mais de 2 m de altura. Ao caírem, os troncos eram depositados em meio às areias e argilas, originando um material que foi fossilizado com o correr das idades geológicas. O cenário pré-histórico, com árvores abundantes e água, em nada lembra a atual região, destinada ao plantio e pastagem de gado. Parte do semiárido, a área possui pouca densidade populacional e sofre com a escassez de água.


Geossítio Parque dos Pterossauros

Uma das regiões mais férteis da Bacia do Araripe, o Geossítio Parque dos Pterossauros esconde registros paleontológicos de pterossauros (variedade de réptil voador surgida há pelo menos 228 milhões de anos), dinossauros, vegetais e tartarugas. Fósseis de peixes marinhos comprovam que um dia o sertão foi mar. De acordo com a obra Geopark Araripe: histórias da terra, do meio ambiente e da cultura, “os fósseis do membro Romualdo revelam que nesta região existia uma laguna (lagos de água salgada) que, por vezes, tinham contato com as águas do Oceano Atlântico, há aproximadamente 100 milhões de anos (Período Cretáceo)”.


Geossítio pedra cariri

No Geossítio Parque dos Pterossauros, localizado no sítio Canabrava, propriedade da Universidade Regional do Cariri (Urca), é possível encontrar rochas do membro Romualdo (Formação Santana). Na área geológica foi descrita uma imensa variedade de pterossauros, pelo menos 21 espécies, com enormes cristas na cabeça ou na mandíbula. Os fósseis de pterossauros apresentam alto grau de preservação, conservando-os em três dimensões e, em alguns casos, preservando até suas partes moles. A riqueza paleontológica também revelou 22 diferentes espécies de peixes, entre grupos ósseos e cartilaginosos, alguns alcançando 2,5 m de comprimento. O Geossítio Parque dos Pterossauros está situado a 2,5 km de Santana do Cariri (CE), onde foi erguido o Museu de Paleontologia da Urca.


Neste geossítio, fósseis de insetos, pterossauros, peixes e vegetais em perfeito estado de preservação podem ser encontrados na “pedra cariri”, calcário disposto em finas camadas de sedimentos que pertencem ao membro Crato (Formação Santana), material depositado há aproximadamente 112 milhões de anos (Período Cretáceo). Localizado a 3 km do centro de Nova Olinda (CE), o geossítio guarda uma antiga área de mineração conhecida por Mina Triunfo, cujas pedras servem para a construção civil desde o século XIX. No lugar, a mineração de pedras divide espaço com a extração de gesso, exportado para todo o Nordeste. As lavras de calcário também escondem fósseis, cujos registros envolvem pesquisadores e trabalhadores dessas minas em um esforço contínuo de preservação. A diversidade de fósseis já catalogados impressiona. No membro Crato da Formação Santana já foram descritas 46 espécies de libélulas, o que tornou o Araripe detentor da maior diversidade de libélulas cretáceas, constituindo 2% dos insetos encontrados na unidade.


Geossítio Pontal da santa cruz

Rico em arenito da Formação Exu, datado de aproximadamente 90 milhões de anos (rocha mais jovem da Bacia Sedimentar do Araripe), o geossítio encanta visitantes pela possibilidade de interpretação da paisagem proporcionada por um mirante construído no lugar. Localizado a 4 km de Santana do Cariri (CE), na estrada que dá acesso ao topo da Chapada do Araripe, o Geossítio Pontal da Santa Cruz apresenta ao visitante uma trilha em direção à Capela e à Grande Cruz, responsável pela proteção contra assombrações, de acordo com crenças populares. A Formação Exu encontrada na região “é caracterizada por arenitos coesos que constituem a formação geológica superior da Bacia Sedimentar do Araripe, atuando como uma capa resistente da Chapada”, de acordo com a publicação Geopark Araripe: histórias da terra, do meio ambiente e da cultura. O potencial permeável dessa formação permite a penetração da água da chuva, o que favorece o acúmulo necessário para originar as nascentes no sopé da Chapada.


Geossítio ponte de pedra

Vestígios dos primeiros habitantes da Chapada do Araripe podem ser vistos no Geossítio Ponte de Pedra. Pinturas rupestres, resquícios de objetos de cerâmica e materiais líticos que foram usados pelos antigos habitantes Kariri dão forma a um dos pontos mais importantes para o estudo da história humana no cinturão formado pelo Geopark Araripe. Localizado a cerca de 9 km do centro administrativo de Nova Olinda (CE), no Sítio Olho D’água de Santa Bárbara, o Geossítio Ponte de Pedra corresponde a uma geoforma esculpida no arenito, efeito da erosão hídrica dos últimos milhões de anos. Os níveis mais resistentes de arenito de Formação Exu (originário do Período Cretáceo, com aproximadamente 96 milhões de anos) formaram uma composição rochosa que lembra uma ponte, daí o nome do lugar. De acordo com Rosiane Limaverde, uma das colaboradoras da obra Geopark Araripe: histórias da terra, do meio ambiente e da cultura, os vestígios da presença humana no Nordeste datam de 30 mil anos. Dentre os vestígios dos primeiros homens que habitaram a Chapada, estão “artefatos de pedra lascada e polida, que eram utilizados como armas para caça e ferramentas utilitárias domésticas”.


Geossítio Riacho do meio

Área conhecida pelas trilhas ecológicas e pelas nascentes do Coruja, do Meio e do Olho D’água Branco, o Geossítio Riacho do Meio está localizado a 7 km de Barbalha (CE), na CE-060, que dá acesso ao município de Jardim (CE). De vegetação densa e úmida, a região agrega três nascentes de água cristalina que abastecem as comunidades do entorno. O geossítio está situado no parque ecológico de mesmo nome e apresenta grande importância hidrológica por conta das fontes naturais de água encontradas na região. Tais fontes surgem do contato de dois tipos de rochas: arenitos da Formação Exu e arenitos da Formação Arajara, que sugerem uma deposição em planície coberta por água em períodos de inundação, ou seja, uma deposição em planície aluvial. Exemplares da flora e fauna nativas do Araripe podem ser encontrados neste geossítio. Lá também é possível conhecer resquícios do Cangaço ocorrido no Araripe. A Pedra do Morcego, de acordo com fontes orais, teria servido de refúgio para cangaceiros como o Bando dos Marcelinos. Outros acreditam que o lugar foi parada para o grupo liderado por Lampião durante o período da Coluna Prestes, em 1926.


Santa Fé: o décimo geossítio

O Geopark Araripe se prepara para receber mais um geossítio, o Santa Fé. O terreno reúne acervo de pinturas rupestres datadas de 3 mil anos antes de Cristo que foram estudadas pela arqueóloga Rosiane Limaverde (in memoriam). A fim de preservar os resquícios pré-históricos do lugar, o terreno foi adquirido pelos empresários Demétrio e Samir Jereissati, pai e filho, respectivamente, que comandam o hotel Iu-á, localizado em Juazeiro do Norte (CE). “Já adquirimos para assegurar que essa área seja preservada e se torne um patrimônio da humanidade com essa riqueza que tem lá. Nossa ideia é colocar em prática um projeto cativo na área com foco em estudantes”, projeta Demétrio. De acordo com Samir, os trâmites de análise de incorporação do terreno ao Geopark Araripe estão em fase final junto à Unesco.


Desenvolvimento Sustentável

Cuidar do que é nosso


Apreservação das riquezas naturais reunidas no Geopark Araripe depende de ações que fortaleçam a identidade das populações que habitam essas áreas e garantam o desenvolvimento sustentável. A conservação das memórias que ultrapassaram milênios e estão incrustadas nas rochas do lugar, conta, inclusive, com parcerias entre o Geopark e as secretarias de educação dos municípios envolvidos. “Nosso intuito é desenvolver no cidadão a vontade de preservar o que é dele”, afirma Allysson Pinheiro.


O compromisso de valorização do território é dividido entre o Governo do Estado do Ceará, por meio da Urca, e as prefeituras dos municípios que integram a área onde o Geopark Araripe está situado, sendo as gestões municipais corresponsáveis pelas práticas educativas, de preservação e de valorização do turismo sustentável na região.


“O Geopark Araripe tem um plano de gestão para trabalhar o aspecto ambiental, de conservação do meio ambiente, para que seja usado de modo sustentável e estratégico. Buscamos um desenvolvimento que dialogue com a valorização das comunidades e que esteja associado ao geoturismo”, explica Patrício Melo.


Para além das rochas que abrigam material fossilizado, as águas e regiões de mata dos geossítios estão no radar de atenção dos gestores, bem como as paisagens urbanas onde estão abrigados esses registros pré-históricos. “Nós temos um setor de educação ambiental que trabalha com temáticas globais e que faz o trabalho do dia a dia, não só nos ambientes rurais, mas também em ecossistemas urbanos que compõem o Geopark”, explica Nivaldo Soares, diretor-executivo do Geopark Araripe.



Ao assumirem esse compromisso, comunidade e poder público contribuem com a preservação ambiental e com o desenvolvimento econômico da região. “A partir do envolvimento das comunidades próximas aos geossítios, escolhidos para serem os locais que representam o que temos nesses territórios, percebemos que elas estão cada vez mais desenvolvidas, pois estão aderindo ao projeto”, afirma Nivaldo.


Segundo Allysson, esse desenvolvimento da região também passa pela valorização das riquezas do território caririense. O couro, que tem o artesão Espedito Seleiro, de Nova Olinda (CE), como um dos principais expoentes, soma-se a outros atributos, como as rapaduras e demais doces produzidos nos engenhos de Barbalha (CE), bem como a comida carregada de pequi, fruta típica da região.


Allysson também destaca a importância da parceria com as prefeituras municipais para uma gestão eficiente do Geopark Araripe. Segundo o pesquisador, a troca de mandatos é seguida por uma estratégia de convencimento acerca da importância desse trabalho conjunto. “Quando o Geopark estiver entendido plenamente pela sociedade do Cariri, quando a sociedade defender ele abertamente, a gente não precisará mais fazer esse convencimento das gestões municipais, pois a própria sociedade já vai cobrar dela isso aí, vai acontecer com mais fluidez”, projeta.



Fósseis

Os Desafios do Combate ao Tráfico


Um dos principais desafios enfrentados pelos gestores do Geopark Araripe é o contrabando de fósseis da região. Quando não havia fiscalização rígida, quantidades consideráveis de material fossilizado eram retiradas irregularmente da região e comercializadas no mercado ilegal. Parcela dos participantes desse esquema criminoso foi composta, durante décadas, por quem deveria assumir a linha de frente de combate à prática: pesquisadores da área de paleontologia.


Durante longos períodos, “estudiosos” de todo o mundo aportaram na região do Araripe e recolheram registros milenares que foram levados para fora do País sob o argumento de que serviriam para estudos científicos. “Eles levavam e preparavam publicações extraordinárias sem dizer como adquiriram o acervo”, explica Patrício Melo. A prática foi, durante muitos anos, facilitada pelos chamados “peixeiros”, nativos da região que colaboraram com o contrabando de fósseis de peixes e outros animais pré-históricos. O acervo milenar lotava caminhões que deixavam a região do Araripe e era comercializado lá fora em troca de verdadeiras fortunas.


Patrício detalha que, atualmente, a Agência Nacional de Mineração (ANM) trabalha em conjunto com a administração do Geopark Araripe no combate ao tráfico de material paleontológico por meio de ações de fiscalização e monitoramento. “A gente trabalha ao lado deles prestando informações e exercendo papel de educação, bem como denunciando quando há tráfico, a partir de ações de combate à prática dentro do território”, explica.


De acordo com Patrício, não há mais registro de tráfico na região, apesar de existir investigações com o apoio da Polícia Federal a todo momento. “O que ocorre muitas vezes é a identificação de patrimônio traficado no passado”, elucida. O colaborador do Geopark Araripe explica que há casas de leilões nos Estados Unidos e na Europa onde é permitida a venda desse material paleontológico. Quando há denúncia de que o acervo é natural do Ceará, a polícia brasileira entra em campo para garantir a repatriação das peças.


Foi o que ocorreu em maio de 2019, quando 46 fósseis de pterossauros, tartarugas marinhas, répteis, insetos, plantas, peixes e aracnídeos foram repatriados após investigação do Ministério Público Federal no Ceará (MPF‑CE) e Justiça da França, país onde o acervo estava sendo comercializado ilegalmente pela internet por cerca de R$ 2,5 milhões.



Turismo Regional

O Sertão como Protagonista


Os projetos de geração de renda a partir do turismo na área do Geopark Araripe ganham força a partir das ações implementadas pelos diferentes agentes que acreditam na potencialidade da iniciativa. De acordo com Patrício Melo, um dos maiores desafios enfrentados é a apresentação ao turista de uma experiência que o envolva a partir dos sentidos. Segundo ele, esse estímulo passa pelo estabelecimento de redes hoteleira e gastronômica capazes de garantir uma estadia prazerosa.


Atividades ao ar livre não faltam. Trilhas ecológicas, cachoeiras, observação de pássaros e o maior single track (modalidade de mountain bike praticada em terrenos de terra) do Brasil são algumas das atrações apontadas pelos empresários Demétrio e Samir Jereissati, pai e filho que levam adiante a “Causa Cariri”. Entusiastas das potencialidades turísticas da região, os dois comandam o Iu‑á, hotel localizado em Juazeiro do Norte (CE) que oferece ao público passeios para diferentes geossítios a bordo da “doblossauro”, um Fiat Doblô que possui uma réplica de pterossauro no topo do veículo. Para além da oportunidade comercial que o hotel apresenta, os dois buscam divulgar ao mundo as riquezas naturais e culturais do sertão para quem visita o lugar.


“Você pode ir no início da manhã, às 10 horas ou até ao meio-dia. Você vai encontrar um clima ameno. A Chapada tem um microclima muito propenso à atividade outdoor”, afirma Samir. Conhecedores das experiências disponíveis na região, Demétrio e Samir destacam o potencial do lugar para o turismo de experiência, que acaba envolvendo a população local em oportunidades de geração de renda que surgem a partir de atividades economicamente sustentáveis.


“A gente consegue oferecer uma experiência diferente para o turista e consegue inserir nessa cadeia de turismo pessoas que estariam fora. Pequenas pousadas, restaurantes em casas de famílias, artesãos, doceiros, repentistas, inúmeros personagens que estão lá e só precisam ser chamados para fazer parte”, analisa Demétrio.


A fim de impactar positivamente os visitantes que buscam o Geopark Araripe como opção turística, Demétrio explica que a doblossauro é disponibilizada até mesmo para os turistas que se hospedam em outros hotéis, não necessariamente no Iu-á. “O que importa é que ele sai feliz com a região, que ele entenda o que é o Cariri cearense, um lugar em que ele ficou tocado, sentiu uma magia e que quer voltar.”



Mas o ímpeto turístico em direção ao sertão esbarra na fama que o litoral cearense possui. De acordo com Allysson Pinheiro, falta uma cultura de valorização das viagens ao Estado que não tenham o mar como protagonista. “A gente precisa entender que o Ceará é muito mais do que só praia. O Interior do Ceará é riquíssimo de oportunidades, para que as pessoas possam conhecer e se impressionar, levar para casa uma sensação boa por conhecer algo diferente”, analisa.


Para além de grandes empreendimentos como o Iu‑á, o pesquisador aponta como trunfos para o desenvolvimento turístico os pequenos negócios movimentados por moradores da região. Allysson conta que artesãos e comerciantes locais atuam como parceiros ao manifestar o interesse de instalação de pequenas lojas nos terrenos dos geossítios para comercialização de souvenirs e outros produtos com a temática do Geopark Araripe.


Diferentes atividades vêm sendo implementadas com o objetivo de divulgar o Geopark Araripe e, assim, atrair visitantes. Os Correios chegaram a lançar selos comemorativos em alusão aos 10 anos do projeto e, de acordo com a Secretaria do Turismo do Estado do Ceará (Setur), o Geopark está contemplado no plano de promoção e marketing da pasta, que não disponibiliza uma verba específica para o atrativo, mas o inclui nas divulgações realizadas pelo Governo do Estado em feiras de turismo de que a Setur participa.


Outro importante avanço tem tomado forma no interior do território do Geopark Araripe, a partir de trabalhos de educação ambiental junto à população da região. “A comunidade do Cariri precisava entender a importância do Geopark Araripe para vender esse território como um destino turístico sustentável”, afirma Patrício.