O cronista cearense Milton Dias (1919-1982) bem o disse: "Entre a boca da noite e a madrugada tudo aumenta — o amor, a paz, o sono, o sonho, o silêncio, o ódio, o mistério, o medo, a população". Em um intervalo de horas, o mundo se movimenta — em 95 anos, ele se recria.
A 7 de janeiro de 1928, num sábado sabe-se lá se ensolarado ou perdido entre chuvas tão características da estação, nasceu o jornal O POVO. Como o autor de Entre a boca da noite e a madrugada (1971), muita coisa aprendeu ao longo desta trajetória: conheceu gente de toda sorte, gozou de encontros com a vida, lamentou os embates com a morte.
No ano em que o escocês Alexander Fleming acidentalmente descobriu a penicilina do outro lado do Atlântico, as primeiras edições do O POVO ganharam as ruas da capital cearense num gesto atento ao tempo, maturado.
Ao preço de 200 réis, as 16 páginas impressas em maquinário francês versavam sobre contos daqui e de lá: o noticiário telegráfico dividia-se entre a questão de limites entre Brasil e Bolívia; a cotação da borracha; a especulação se o General Potyguara visitaria Joazeiro — como o nome da cidade era grafado à época — para confabular com Padre Cícero; escritos sobre uma mulher nua; cada passo da emocionante partida de futebol entre Fortaleza e Maguary, que terminou empatada no campo do Alagadiço.
Na página 15, disputando espaço com anúncio da Casa Veneza, o jornalista, advogado, professor e escritor Jáder de Carvalho (1901-1985) fez pilhéria com a recepção melindrosa dos conterrâneos ao livro O Canto Novo da Raça (1927), obra que assinou ladeado por Franklin Nascimento, Sidney Neto e Mozart Firmeza, considerada fundante do movimento modernista no Ceará.
Um artigo especial de Rita de Queluz — pseudônimo de Rachel de Queiroz — marcou a importância da "robusta mentalidade feminina cearense" no periódico.
A empreitada ousada, que rebentou ao mundo num sobrado na Praça General Tibúrcio, a Praça dos Leões, nasceu pelas mãos de uma das mais notáveis personalidades da historiografia cearense: Demócrito Rocha (1888-1943).
Dentista e professor da Faculdade de Odontologia, conciliou a profissão com campanhas, estratégias comerciais, concursos, promoções, poemas, caligrafias, projetos musicais na rádio e toda a sorte de atividades para manter a folha do jornal e sustentar a esposa Creuza e as filhas Albanisa e Lúcia. O periódico foi se mantendo com amparo de amigos e leitores, que pagavam adiantadas as assinaturas.
Intitulado "Falando ao povo", o primeiro editorial do novo periódico anunciava a seiva que circula ainda hoje nas veias do O POVO: "É no jornal que o povo encontra o seu pão espiritual de cada dia. O jornal descortina-lhe o mundo, vencendo distâncias. É a lanterna mágica do progresso. (...) Quando o povo geme escravo, entorpecido pelas algemas do cativeiro, indiferente à violência paralisante do grilhão, o jornal é o sangue novo, forte e generoso a nutrir-lhe as células dormentes, a despertar-lhe os neurônios amortecidos, a ondear-lhe, nas veias, a torrente vigorosa e enérgica da revolta. O povo precisa de mais gritos que o estimulem, de mais vozes que lhe falem ao sentimento. Eis porque surgimos".
O jornalismo e a história caminham de mãos dadas. As veredas da vida pública grafam-se, dia após dia, na tinta preta das páginas de jornais. Da derrota do nazifascismo e o fim da Segunda Guerra Mundial à vaia ao sol na Praça do Ferreira, o jornalismo constrói memórias coletivas.
Neste vindouro século de criação, O POVO cartografou transformações sociais em notícias, reportagens, crônicas, contos, cartas, fotos e vídeos — e construiu com o leitor uma relação de confiança e transparência desde que teve seu nome escolhido via consulta popular.
Mais antigo jornal em circulação no Ceará, O POVO se consolidou como um dos principais e mais longevos periódicos brasileiros.
"Para continuar pulsante com o bom jornalismo que produz, O POVO investe na mudança e na inovação. Reinventa-se para chegar a mais gente. Atualiza-se para atender às tecnologias. Isso não nos intimida nem ameaça! Antes, nos anima a lapidar o que fazemos de melhor, que é contar histórias, com a verdade e o respeito", elabora Luciana Dummar, presidente institucional e publisher do Grupo.
"Nosso compromisso social é seguirmos como o mediador dos anseios dos mais vulneráveis, como o norte para furar as bolhas que atrofiam o pensamento crítico e como o disseminador de opiniões e análises bem fundamentadas.” Aos 95, O POVO é missão, vocação e festa.
Estudantes de escolas públicas e privadas podem ser Correspondentes O POVO e ter textos publicados em coluna no jornal
MAURI MELO, EM 24/5/2019
Curso Novos Talentos para estudantes de Jornalismo é realizado no O POVO. Ao centro, o coordenador Plínio Bortolotti e a jornalista Daniela Nogueira
FÁBIO LIMA/O POVO
Em 95 anos, O POVO formou diferentes gerações de jornalistas cearenses
SAMUEL SETUBAL/O POVO
O POVO é o mais antigo jornal impresso em circulação no Ceará
SAMUEL SETUBAL/O POVO
Ao 14 de abril de 1888, Demócrito Rocha nasceu. Em sua terra natal, a pacata cidade baiana de Caravelas, começou a trabalhar como operário consertando locomotivas ainda menino.
Logo mudou-se para Sergipe, onde estudou na Escola de Odontologia — mas, com asas nos pés e sonhos audaciosos, prestou concurso para telegrafista e aportou em Fortaleza em 1912. Em terras alencarinas, concluiu seus estudos pela Faculdade de Farmácia e Odontologia do Ceará, em 1921, e tornou-se professor universitário em 1922.
Foi na capital cearense que encontrou abrigo e constituiu família. Demócrito conheceu Creuza do Carmo Rocha (1897-1974), quem namorou por seis meses e com quem se casou em 9 de junho de 1915.
As filhas não tardaram a chegar: Albanisa nasceu em janeiro de 1916 e Lúcia, em maio de 1917. A primeira morada se estabeleceu na rua Barão do Rio Branco, no Centro.
Odontólogo, posteriormente passou a dividir a casa com o gabinete dentário em um sobrado na Major Facundo, onde produzia "dentadura dupla de ouro e prata". Conta-se que Demócrito era presença certa no Banco da Opinião Pública, na Praça do Ferreira, e no bar do Silva, local de discussão das letras e dos problemas de Fortaleza.
Começou a flertar com o jornalismo nas páginas do jornal O Ceará, de Júlio de Matos Ibiapina, com a fundação da revista Ceará Ilustrado em 1924. No ano seguinte, o ferrenho opositor do governo de Moreira da Rocha fez-se voz política em suas notas. Em 1º de junho de 1927, a caminho da Praça do Ferreira, foi violentamente agredido por 12 policiais. No ano seguinte, insubmisso, criou o próprio jornal.
Demócrito Rocha, apaixonado pelas artes e literatura, passou a integrar a Academia de Letras do Ceará em 1930, na cadeira que tem como patrono Padre Mororó. Foi eleito deputado federal em 1934 pelo Partido Social Democrático (PSD), quando a sigla pautava a sindicalização das classes e a defesa dos direitos dos proletários.
"Demócrito teve seu destino traçado pelo jornalismo. Ele encontrou nas artes uma forma de reverberar sua ousadia, sua intelectualidade e seu desejo de justiça social. Isso tudo envolto pelo requinte do vocabulário que usava e pelo respeito ao povo, pelo que chamava de combate aos 'desregramentos políticos' da época", resgata Luciana Dummar.
Mas talvez sua maior batalha tenha sido pela vida. Ainda sem cura na década de 1940, a tuberculose afligia o patrono do O POVO. Em 29 de novembro de 1943, faleceu e fez-se luto em Messejana, na casa da família. Neste dia, os jornais de Fortaleza — O Estado, O Nordeste, Unitário, Correio do Ceará, Gazeta de Notícias — quedaram-se em silêncio e não circularam.
A rádio PRE-9 não veiculou seus programas, tudo em homenagem ao grande homem público. A maior honraria a Demócrito Rocha, entretanto, faz-se ainda hoje na redação do O POVO, que mantém vivo o filho acolhido no Ceará.
"O legado deixado de herança por Demócrito Rocha e honrado até os tempos atuais se expressa numa linha editorial que preza por respeito, enfrentamento aos desmandos de qualquer instância e encantamento pelas artes", assegura a atual presidente.
A escritora, tradutora, jornalista e dramaturga Rachel de Queiroz (1910-2003), que redigiu o Ceará em escritos vanguardistas e pioneiros na literatura brasileira, relata, no prefácio da obra Demócrito Rocha, o poeta e o jornalista (1989), que as crônicas diárias de Demócrito Rocha nos primeiros anos de circulação do O POVO “eram lidas avidamente pela cidade inteira, comentadas, repetidas, glosadas. (...) Lembro-me de meu pai, quase toda tarde, a ler para a gente, na varanda do casarão do Pici, a Nota de Demócrito. Era um só jornal e, como todos queriam ler ao mesmo tempo, o problema se resolvia com a leitura feita pelo mais velho".
O POVO de Demócrito Rocha fortaleceu a relação entre mídia e vida pública, mas encontrou um Estado há muito ávido por comunicar-se. O primeiro jornal impresso registrado na província é o Diário do Governo do Ceará, publicado em 1824, editado pelo Padre Gonçalo Inácio de Loiola Albuquerque e Melo, o Padre Mororó, no contexto histórico do movimento da Confederação do Equador.
Em 1915, o Correio do Ceará apresentou uma linha mais informativa ao jornalismo cearense. A partir de 1925, por sua vez, O Ceará encarregou-se de inserir mais conteúdos nos jornais diários, com edições de oito a 16 páginas.
Para chamar a atenção dos leitores, os principais jornais de Fortaleza firmavam suas manchetes em quiosques da Praça do Ferreira, onde o povo se juntava para conhecer os contos e causos do noticiário.
Os índices de analfabetismo no Ceará nas primeiras décadas do século XX eram altos, mas os letrados costumavam ler os periódicos em voz alta, compartilhando com os demais. O banco da praça, neste sentido, sempre foi um convite ao diálogo entre o público e o privado.
Foi no jornal O Ceará, com o qual Demócrito também colaborou, que o nome O POVO foi escolhido por meio de um concurso público para simbolizar a luta democrática. Em meados da década de 1920, a intelectualidade fortalezense revoltava-se contra o domínio das tradicionais oligarquias agrárias.
"O jornalismo surge num País diferente, num Ceará muito diferente, ali na República Velha — para ter ideia, não tinha voto secreto, não tinha Justiça Eleitoral —, e o jornal testemunhou toda essa transformação ao longo da história, inclusive da própria imprensa. Os veículos surgem com um papel diferente do jogo político; os jornais eram personagens da disputa pelo poder, eram partes dessa disputa direta e não como observadores ou noticiadores, mas como agentes", retoma Érico Firmo, jornalista do O POVO.
"O jornal surge como porta-voz de pensamentos, de concepções e de visões sobre o Ceará e o Brasil", continua Érico. Demócrito Rocha foi incansável opositor ao governo de José Moreira da Rocha (1871-1934), que perdurou de 1924 a 1928 como uma das mais conservadoras e autoritárias gestões do Estado, e não poupou críticas no novo vespertino da praça.
Os ideais progressistas marcaram O POVO da década de 1920: periódico primordial na consolidação do Modernismo no Ceará, Antônio Garrido — pseudônimo de Demócrito no meio literário — criou a folha modernista Maracajá, suplemento editado também por Paulo Sarasate e Mário de Andrade do Norte, um indício do Modernismo telúrico nas terras de Iracema.
O primeiro número do suplemento foi publicado em 7 de abril de 1929; o segundo e último, dia 26 de maio. No interstício entre os dois, os modernistas cearenses se reuniram e fundaram na redação do jornal a Tribu Cearense de Antropofagia.
Ao explicar as diferenças entre modernistas do Ceará e de São Paulo nos idos de 1929, Demócrito satirizou: "Eles metem excessiva erudição no que fazem. E bancam sisudez. Nós somos alegres por índole. Em São Paulo, os rapazes para fazer a sua antropofagia precisam dar o laço à gravata. (...) Aqui não. Nós rimos de tudo".
O suplemento Maracajá retratou este olhar múltiplo sobre as produções locais para valorizá-las e compreender o global a partir do regional.
"Houve a transformação grande da imprensa de veículos como porta-vozes de um pensamento para buscar esse espaço de pluralidade de ideias — o que não exime O POVO de sua história e de defender bandeiras e causas com as quais se identifica. Mas um traço em comum ao longo dessa trajetória é, sem dúvidas, a identificação com questões do Ceará. Independentemente das concepções que o jornal foi porta-voz nos mais diversos momentos de sua história, a defesa do Ceará e de questões do Ceará são norte. Falamos da Universidade Federal do Ceará (UFC), do Banco do Nordeste (BNB), de grandes empreendimentos, da questão hídrica, da questão da seca… O debate urbano e ambiental de Fortaleza também sempre foram coberturas muito presentes na história", enumera Érico Firmo.
"Ou seja, a defesa da democracia direta sempre foi uma bandeira muito forte no O POVO. Embora o veículo tenha um alcance nacional e internacional, com uma audiência significativa em outros países — sobretudo com o advento da internet e das redes sociais —, acho que a marca do OP é uma vinculação com o Ceará, com a pauta local, com o debate sobre a cidade, sobre o interior, sobre as nossas questões e sobre as nossas raízes. O leitor identifica O POVO dessa forma", adiciona o jornalista da Casa.
Anuário do Ceará - O jornal O POVO — por meio do caderno cultural Vida&Arte nos últimos 30 anos — sempre acompanhou sua carreira. Como se construiu essa relação entre artista e mídia?
Raimundo Fagner - Saí na capa do jornal O POVO pela primeira vez em 1968. Até hoje tenho essa matéria guardada… Foi quando ganhei o meu primeiro festival, o IV Festival da Música Popular, em 1968.
Levei o primeiro lugar com uma música chamada "Nada Sou", feita em parceria com Marcos Francisco. Isso me marcou muito, imagina só sair na primeira página de um jornal! Foi uma emoção muito grande.
O POVO sempre esteve muito presente, eu costumo dar entrevistas sobre lançamentos dos meus discos, por exemplo. Tinha um significado muito grande, para a gente, porque era a maneira de divulgar nosso trabalho naqueles tempos. Minha geração foi muito acompanhada pela imprensa, como Belchior, Petrúcio (Maia), Ednardo… A gente ficava aguardando os jornais.
Anuário do Ceará - Demócrito Dummar foi conhecido por ser visionário sobre as artes e artistas cearenses…
Fagner - Sim, eu conheci o Demócrito, ele foi mesmo um visionário. Cheguei a lançar pelo O POVO os dois discos do Patativa do Assaré, ainda na época da diretoria da Albanisa (Sarasate). A gente sempre teve O POVO como referência, sabe?
Apesar de ter outros jornais no Ceará, O POVO sempre teve um peso maior por causa desse olhar sempre muito presente para nossa geração de artistas. Desde o começo da história do jornal, na verdade.
Vez ou outra, tinha algum pau com algum crítico (risos), mas faz parte. Eu sempre me manifestei, falei, fui ouvido. O espaço do jornal é muito generoso, então esse elo com a classe artística é forte.
Anuário do Ceará - Mas, além de ser noticiado, o senhor também escreveu notícia para O POVO. Como foi esse movimento?
Fagner - Na França, eu fui correspondente do jornal O POVO durante a Copa do Mundo de 1998. Na época do Ronaldo Fenômeno, o único veículo de comunicação que entrava nos treinos da Seleção Brasileira era O POVO. Furo nacional!
Sempre fui muito ligado ao futebol, então me tornei mesmo correspondente, fazia todo dia uma coluna — até muito mal, escrevia muita bobagem (risos)! Mas tinha amplo acesso. Eu me lembro bem que eu jogava umas peladas, e o juiz era o Ronaldo, joguei até com uma chuteira dele, fazia gol…
Eu sei que ficavam todos os jornalistas do lado de fora, o único que entrava era O POVO, eu e o fotógrafo. Todos os meus amigos jornalistas diziam: "Aí é que é gostar do Ceará".
Para mim, escrever para o jornal foi uma novidade. Eu contava o cotidiano da turma, as viagens, as conversas com Ronaldo, (Carlos Alberto) Parreira, Zagallo. Era interessante estar no único jornal brasileiro que tinha acesso ao Fenômeno.
Anuário do Ceará - Nesses 95 anos de jornalismo no Ceará, o que se destaca, em sua leitura? Enquanto leitor e participante dessa história, o que o senhor aguarda para o futuro do O POVO?
Fagner - O POVO sempre foi inovador, né? Sempre teve um pessoal qualificado, foi uma novidade ter uma figura como o Ombudsman — era a Adísia Sá no começo. Eu espero estar presente no centenário do O POVO: estou completando 50 anos de carreira em 2023 e sempre fui acompanhado pelo jornal.
Parabenizo a todos os profissionais por tantos anos prestando serviço ao Estado, seguindo como uma referência. Desejo chegar aos 100 anos do O POVO contando essas mesmas histórias e construindo muitas outras.
Solitário e noturno, o gato-maracajá é felino nativo da América Central e América do Sul — fauna nossa, como o suplemento literário editado no O POVO entre abril e maio de 1929. Educador e poeta natural de Lavras da Mangabeira (CE), Antônio Filgueiras Lima (1909-1965) definiu Demócrito Rocha como "coluna mestra do Modernismo no Ceará".
A folha modernista se construiu como um espaço produtor e difusor desse ideário nos moldes cearenses, mas também permitiu a socialização desses autores de forma coletiva, não se restringindo apenas ao Estado.
Rachel de Queiroz, participante do suplemento, diria mais tarde: “Sei que tive a glória insigne de nos ver lidos e comentados por alguns dos grandes do Rio e São Paulo — para nós, então, as duas metades inacessíveis do Paraíso”.
A Maracajá findou-se em 1929 e, ao longo do ano seguinte, as notícias e referências ao Modernismo rarearam nas páginas dos jornais. Em setembro de 1931, no entanto, o lançamento da folha modernista Cipó de Fogo — que seguia o projeto estético do suplemento — reuniu novamente os escritores da terra.
A folha não passou do primeiro número, mas fincou pé na literatura regional. Em 2019, 90 anos após a publicação da Maracajá, O POVO resgatou o suplemento sob curadoria do editor e escritor Raymundo Netto.
Das micropolíticas ordinárias cotidianas aos grandes acontecimentos mundiais, O POVO compromete-se em apurar, analisar e noticiar as informações aos seus leitores e ouvintes. Em 30 janeiro de 1942, a exemplo, dois episódios compartilharam o firmamento: em Berlim, aviões de combate rasgavam o céu no auge da Segunda Guerra Mundial. Em Fortaleza, após três dias de chuva forte, o sol surgiu — chegou cabreiro, meio amuado, mas enfim o astro-rei.
Passando pelo Centro a caminho da redação do O POVO, entre calçadas molhadas, um repórter demorou-se na Praça do Ferreira e registrou um dos causos mais conhecidos da história do Ceará, a vaia ao sol.
“Olhando para o alto e apontando, começaram uma demonstração estrondosa, vaiando o astro vencido e apagado, naquele momento, num grito uníssono de várias bôcas. Mas afinal o velho Rei das alturas venceu, botando todo corpo vermelho para fora das nuvens e dispersando os vaiadores”, grafou à época.
Ao longo de 95 anos, O POVO reportou guerras, crises políticas e econômicas, alternâncias de governo, mudanças climáticas, ataques terroristas, revoluções artísticas, epidemias e pandemia, saltos tecnológicos, conquistas e derrotas esportivas e vida, muita vida, em sua ampla diversidade étnica, racial, religiosa, sexual e de gênero, respeitando o princípio de manter-se franco e aberto para os não clientes, para o inusitado, para as ideias novas, para as minorias, para o não ortodoxo e não consensual e mesmo para os que o criticam.
Em suas páginas, o jornal noticiou da chegada da televisão no Brasil em 1948 ao primeiro passo do homem na Lua, nos idos de 1969; de descoberta do DNA em 1953 à queda do Muro de Berlim em 1989; da quebra da Bolsa de Nova York em 1929 ao fim da emergência global da pandemia de Covid-19, anunciada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em maio de 2023.
O jornal sobreviveu às duas Guerras Mundiais, à ditadura militar, aos governos que tentaram censurar a democracia e sua livre expressão.
Entre coberturas memoráveis, destaca-se o empenho da equipe do O POVO para noticiar com ética e agilidade a tragédia de Aratanha: em junho de 1982, um avião vindo de São Paulo caiu em Pacatuba, vitimando 137 pessoas e deixando marcas não só na história do Ceará mas também na aviação brasileira.
A queda do voo 168 da Vasp foi o maior acidente da aviação brasileira na época, superada posteriormente pelas tragédias da Gol em 2006 e da TAM em 2007, com 154 e 199 mortos, respectivamente.
Em Fortaleza, naquela chuvosa noite de 8 de junho, O POVO estava presente no Aeroporto Internacional Pinto Martins. Coincidentemente, o repórter Francisco Lima e o cronista Milton Dias aguardavam familiares que vinham de outros voos naquela madrugada.
Ao saberem do acidente, eles acabaram repassando as informações não só aos ouvintes da então AM do POVO, mas também aos que procuravam notícias sobre os passageiros do avião que nunca pousou.
Quatro décadas após o acidente, os jornalistas Arthur Gadelha, Cinthia Medeiros e Demitri Túlio produziram e dirigiram Voo 168 - A Tragédia da Aratanha, primeiro longa documental do O POVO+, que foi lançado em fevereiro de 2022.
A reportagem subiu novamente a serra para ouvir as memórias sobre o dia em que escolas e universidades suspenderam aulas e indústrias e comércios, principalmente do ramo de confecções, cerraram as portas.
A cobertura jornalística do O POVO sobre o furto ao Banco Central do Brasil também merece reconhecido destaque: em 2005, o veículo ganhou o Prêmio Esso, uma das principais honrarias do jornalismo brasileiro, pela série de reportagens investigativas com diversas informações inéditas sobre o crime que se tratava, até então, do maior furto a um banco brasileiro e o segundo maior crime do gênero em todo o planeta.
O furto ocorreu no fim de semana dos dias 6 e 7 de agosto de 2005, mas o crime só foi descoberto na segunda-feira, dia 8. Segundo a Polícia Federal, a partir das estimativas pautadas no peso das notas subtraídas (3,5 toneladas), foram roubados aproximadamente R$ 164 milhões — as notas todas empilhadas chegariam a uma altura superior a 30 metros.
Os jornalistas do O POVO acompanharam a descoberta do caso, os desdobramentos e a posterior investigação policial ao longo dos anos seguintes.
Uma das informações exclusivas, apurada pela equipe do veículo e desconhecida pela Polícia Federal, foi a de que os ladrões encheram carros com o dinheiro roubado numa casa no bairro Luciano Cavalcante, em Fortaleza. Em 2022, nasceu na Redação o projeto da série documental brasileira , disponibilizada no serviço de streaming Netflix.
Para o estilista Lino Villaventura, paraense radicado no Ceará e membro do Conselho Editorial do O POVO, é este olhar crítico e inovador que mantém o jornalismo comprometido com a sociedade. Ourives dos tecidos, bordados, nervuras e aplicações, foi um dos primeiros estilistas do País que destacaram no mercado internacional a alta costura brasileira, feita com insumos regionais: Lino iniciou sua carreira em 1978 e, em 1988, o Stedelijk Museum — de Amsterdã, na Holanda — arrematou um vídeo com o registro das criações do estilista.
No ano seguinte, com pouco mais de uma década de trajetória, foi convidado pelo Itamaraty para representar o Brasil em uma feira internacional em Osaka, no Japão, a World Trade Fashion.
“Foi uma ousadia muito grande da minha parte, mas eu tinha certeza e vontade de fazer aquilo que sentia que estava determinado a fazer. Até então, ninguém fazia moda autoral no Brasil com originalidade. Eu fui o primeiro no País todo, e isso despertou uma atenção, uma curiosidade muito grande das pessoas, da mídia em geral, facilitou muito. Eu sempre fiz o que eu bem quis, sabe?”, inicia Lino.
“Eu seguia a minha cabeça, a minha vontade, o meu desejo de moda — assim, eu fui criando um estilo muito próprio, uma identidade forte. E a mídia cearense sempre foi incentivadora, o jornal O POVO me incentivou muito nos momentos que eu mais precisava de um incentivo, eles sempre estavam por perto. O Demócrito (Dummar) era um visionário: ele tinha mil ideias comigo, me colocava em coisas que eu nunca pensei que seria capaz.”
A primeira peça que Lino criou foi um colete confeccionado em saco de trigo de algodão puro. O então incipiente estilista, ainda nos anos 1970, tingiu o tecido, brincou com um degradê e começou a trabalhar a vestimenta com barbante.
Presenteou a namorada Inez Villaventura, que se tornaria esposa e parceira na marca autoral. Logo, o colete tornou-se referência em Fortaleza, e as demandas começaram a chegar. A residência do casal tornou-se ponto de encontro dos apaixonados por moda, e a novidade foi parar no jornal.
Em 2023, a Lino Villaventura — marca homônima ao estilista — completa 45 anos de atuação e projeção internacional. Lino, atento ao que brota no solo e torna-se arte entre seus dedos ágeis, carrega consigo a cultura nordestina mundo afora. Em 1995, seus trabalhos integraram a exposição Art do Wear – Lunst als Kleidung, na Alemanha; participou da exposição “A Arte do Brasil em Beirute”, no Museu Sursoak, Líbano; e em 1996, quando foi lançado o Morumbi Fashion Brasil, embrião da São Paulo Fashion Week, integrou a primeira equipe de estilistas que desfilou.
“Sempre me interessei muito pela arte popular nordestina, como a arte de Juazeiro (Cariri cearense). Venho de Belém do Pará, que tem imensa arte indígena, então eu tive o privilégio de ter a cultura popular nordestina para me inspirar muito”, partilha Lino.
Desbravando outras linguagens, Lino fez também os figurinos do filme Bocage, o Triunfo do Amor (1997), dirigido por Djalma Limongi Batista; e da peça teatral Dorotéia, uma Farsa Irresponsável em Três Atos, de Nelson Rodrigues, que lhe rendeu uma indicação ao Prêmio Shell de Teatro de 1996.
“Acho que a imprensa atual precisa ser mais incentivadora, descobrir novos talentos, novas maneiras de trabalhar, com originalidade e sofisticação de acabamento. É importante sairmos das mesmas repetições e olharmos para pessoas que fazem um trabalho diferenciado, incentivá-las a dar continuidade”, provoca o estilista. “O POVO precisa seguir como o jornal que acredita na moda brasileira, acredita na criatividade do cearense, acredita nos valores do Ceará.”
O POVO, este quase centenário jornal, renova-se em cada uma dessas coberturas cotidianas. Na fase mais moderna, contando a partir de 1997, realizaram-se reformas gráficas aplicadas no impresso, algumas delas incluindo redesenho editorial, e alterações no digital para adaptar-se aos modos de consumir.
O periódico atua cotidianamente para consolidar seu conceito de veículo de comunicação independente, pluralista, apartidário, ponderado e fiscalizador.
Quando o filho do escritor Paulo Ximenes Aragão e da professora Dinorá Lins proveio ao mundo em choro, aos 13 dias de janeiro do ano de 1935, O POVO anunciava o Carnaval.
Renato Aragão nasceu em festa, do pranto logo fez-se o riso, e a trajetória do ator, comediante, diretor, produtor e humorista figurou nas páginas do jornal incontáveis vezes — ora como o artista sobralense que conquistou o Brasil, ora como Didi Mocó Sonrisal Colesterol Novalgino Mufumbo, líder do quarteto Os Trapalhões.
Programa de televisão humorístico brasileiro lançado em 1974 na Rede Tupi, Os Trapalhões permaneceu no ar pela TV Globo ao longo de três décadas, reunindo o quarteto cômico Didi, Dedé, Mussum e Zacarias.
No ano de 2015, quando Renato Aragão completou 80 anos, O POVO produziu uma reportagem especial para celebrar a trajetória do cearense que é referência nacional nas artes cênicas e audiovisuais. O material, intitulado “Renato Aragão - O Circo do Palhaço sem Máscara”, foi vencedor do Prêmio Petrobras de Jornalismo no ano de sua publicação.
“Esta pauta foi como um presente para mim”, recupera a jornalista Raphaelle Batista, que assina o caderno especial. “Muito já tinha sido dito sobre o Renato Aragão, então esse foi meu primeiro desafio. A parte maravilhosa de trabalhar num jornal que é quase centenário é poder recorrer às fontes históricas que o próprio veículo tem, então fui procurar as matérias que saíram, fazer um mergulho nesse arquivo que é muito rico”.
À época repórter do O POVO, Raphaelle viajou para Sobral para apurar a pauta e percorreu localidades que marcaram a trajetória de Renato Aragão, como a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, onde o ator se graduou em 1961.
Diante da quantidade de informações, notícias, matérias e reportagens já produzidas sobre o artista, sobretudo no O POVO — como o especial “Renato Aragão - O da poltrona”, escrito pela jornalista Ethel de Paula para o Vida&Arte em 2003 —, Raphaelle encarou outra inquietação: “O que eu vou trazer de diferente para estes 80 anos’”.
A repórter, num exercício de acessar os próprios arquivos e repertórios para imprimir no ofício, lembrou-se do próprio pai. “Meu pai gostava muito do Didi, da gaiatice do personagem, então eu tinha um afeto especial por ele… Mas eu sempre achei muito engraçada a confusão que as pessoas faziam entre o Renato e o Didi. Fiquei interessada em descobrir até que ponto era um, até que ponto era outro, sabe? O que o Renato tem do Didi? O que o Didi tem do Renato?”.
Repórter do Vida&Arte durante quatro anos, Raphaelle destaca a importância do olhar jornalístico para o território. “Eu sinto muito orgulho de saber que o Renato Aragão é nosso, que este talento se forjou aqui. Senti um carinho muito grande dele pelo O POVO por sermos da terra dele”, rememora.
Mestra em Comunicação e pesquisadora na área de jornalismo, a autora da reportagem especial destaca o compromisso do caderno cultural com pautar criticamente o debate público.
“As pautas de políticas públicas, tão presentes no Vida&Arte, lidam diretamente com os problemas que afetam o setor cultural e os artistas, que afetam os equipamentos, que se relacionam com as disputas políticas. Em meio ao deserto do governo Bolsonaro, num cenário extremo de vários problemas, o Ceará se manteve resistindo — e isso envolve um projeto político, mas também por discussões e cobranças da opinião pública”, pontua Raphaelle.
“Enquanto repórter e também pesquisadora, acredito que um caderno de cultura permite o pensamento, a criação. Apesar de todas as dificuldades que o jornalista enfrenta, acredito que o caderno consegue preservar esse olhar para a cidade, para o mundo”, finaliza.
O Grupo de Comunicação O POVO foi o veículo mais premiado do Nordeste e 8º do Brasil em 2022, de acordo com informações do ranking +Premiados da Imprensa Brasileira, do Jornalistas & Cia. No ranking histórico, O POVO é o 12º mais premiado do Brasil e segundo do Nordeste, atrás do Jornal do Commercio (PE).
O jornalista mais premiado do Nordeste é repórter do O POVO: Demitri Túlio, com 660 pontos. Cláudio Ribeiro, jornalista do Grupo, é o quinto da lista, com 572,5 pontos. O top-20 conta ainda com Fátima Sudário, em 16º, editora-chefe da plataforma O POVO+. Na listagem de 2023, 15 jornalistas, fotógrafos e designers do jornal figuram entre os 56 mais premiados do Nordeste. Destacam-se, em 3° lugar, as repórteres Ana Rute Ramires, Karyne Lane e Catalina Leite.
A tecnologia mudou a forma de produzir e disseminar informação — e o jornalismo também se transformou. A convergência entre o impresso, o portal e as mídias digitais fortaleceu o jornalismo da Casa: em um único ano foram 462,7 milhões de visualizações de páginas. Ao somar Instagram, Facebook, Twitter, TikTok e YouTube do veículo, o impacto é superior a 1,7 bilhão. Os números expressam a confiança do público no O POVO.
Mas a história do O POVO no meio digital não é nova: ainda em 1997, o jornal adentrou a virtualidade, tornando-se um dos pioneiros na migração das notícias publicadas no impresso para a internet, quando o mercado ainda se adaptava ao meio.
Nos anos 2000, então O POVO Online iniciou uma cobertura específica para a web, alcançando potência ao compreender a importância de criar conteúdo e não apenas reproduzir as notícias do impresso.
Em meio à convergência de diversas linguagens e formatos, O POVO inovou novamente ao desenvolver uma plataforma com conteúdos jornalísticos, cultura, entretenimento, arte, educação e opinião: O POVO+, primeira área de multistreaming da América Latina. Lançado em 2020, o projeto do O POVO+ nasceu com a missão de oferecer narrativas plurais aos assinantes.
“A plataforma O POVO+ surgiu de um grande ‘Eureka!’, fruto de uma série de pesquisas que realizei no final de 2018”, explica André Filipe Dummar, diretor de Estratégia Digital no Grupo de Comunicação O POVO e cofundador da Casa Azul Ventures.
“De um lado estavam os estudos sobre as novas modelagens de negócios da indústria de comunicação, com ênfase na diversificação da matriz de receita conduzida pelo Mark Thompson no The New York Times, a integração multicanal feita pelo The Washington Post após a aquisição da companhia pelo Jeff Bezos e a estratégia de M&A para estruturação de portfólio feita pelos alemães do Axel Springer. De outro lado, estava o olhar apurado quanto às novas propostas de valor de produtos digitais consolidadas por serviços de streaming como Netflix, Spotify e PrimeVideo (Disney+ e HBO Max não haviam sido lançadas na época) que definiram um padrão de consumo almejado. Com esses pontos pipocando na minha cabeça, lembro-me muito bem de que certo dia acordei repentinamente e me fiz o seguinte questionamento: por que não juntar uma experiência de consumo de conteúdo de classe global habilitadora de novas fontes de receita a partir de nossa matéria-prima base que é o jornalismo? Daí surge o OP+.”
Para André Filipe Dummar, o principal diferencial do O POVO+ é o binômio experiência de consumo global e a exclusividade do local.
“É você encontrar filmes, séries, podcasts, reportagens, jornal, livros, cursos, palestras, tudo em um só lugar, com uma qualidade de experiência de classe global retratando aspectos de nossa terra, cearensidade e história. Atestando esse diferencial, após apenas um ano de seu lançamento, o OP+ foi reconhecido com o prêmio Latam Wan Ifra Digital Media Awards, o Oscar do Jornalismo Digital, um marco que honra a tradição e vanguarda de nossa Casa”, ressalta.
A ampla inserção digital do jornalismo foi indispensável em um dos momentos mais críticos da historiografia contemporânea: o apagão de dados sobre a Covid-19 no Brasil pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro em meio à disparada das mortes pelo novo coronavírus e a crise da desinformação sobre a pandemia.
Em junho de 2020, um consórcio nacional de veículos de imprensa foi formado para coletar dados sobre a aplicação de doses da vacina diretamente nas secretarias de Saúde. Nesse período pandêmico, todas as matérias do O POVO sobre o tema foram liberadas para acesso público.
"Só se combate a desinformação com a informação", elucida Luciana Dummar.
"É esse o principal segredo para o enfrentamento de quem insiste em fabricar mentiras e tentar driblar o jornalismo. A enxurrada de boatos que inundou os aplicativos de mensagem e as redes sociais no pico da pandemia de Covid-19 são um exemplo de como o público tem consumido notícias. A diferença é que, hoje em dia, o leitor não faz tão somente consumir conteúdo: ele participa do processo, está mais atento, exigente e crítico e cobra dos veículos as formas de checagem, o rigor na apuração e um posicionamento", complementa a publisher.
O POVO integra ainda o Projeto Credibilidade, capítulo brasileiro do The Trust Project, rede global de organizações noticiosas que se utilizam de uma série de indicadores para garantir transparência e credibilidade ao leitor.
As informações apresentadas pelo periódico cearense atendem às diretrizes do Projeto Credibilidade, que procura “desenvolver ferramentas e técnicas para identificar e promover um jornalismo digital confiável e de qualidade”.
“A tecnologia não é um fim em si mesmo, é um meio que pode nos ancorar para distintos sentidos”, retoma André Filipe.
“Do ponto de vista de tecnologias para a produção de conteúdo, considero estarmos em um ponto de inflexão à medida que, da mesma forma que podemos trazer mais profundidade pela democratização de fontes de dados e pela ampliação dos canais de distribuição, podemos, por outro lado, utilizá-las como um propagador de desinformação. Para mim, este é o ponto central que difere o jornalismo: seu esteio na escuta ativa de nossa gente, dotado de uma consciência genuína de seu papel de agente de transformação social. A um passo que estamos na era de ouro da forma, ainda precisamos chegar à era de ouro do conteúdo. Toda tecnologia, quando bem direcionada, pode desbloquear um grande potencial, e é nisso que devemos orientar esta simbiose com o jornalismo”, defende o diretor.
Érico Firmo, jornalista do O POVO, destaca que as mudanças que atravessam o fazer jornalístico não descartam os meios tradicionais de comunicação, mas aumentam suas capacidades de alcance.
“É claro que a grande revolução é a internet, mas, se você pegar o jornal de papel hoje — com a qualidade e a força das imagens, as cores, os formatos, a beleza da página — e comparar com os jornais antigos, repara que os antigos eram blocos de textos, difíceis de ler, mas na época eram a vanguarda. O POVO sempre foi uma referência nisso, aliás. Quando pensamos no rádio, lembramos o advento da televisão (e os questionamentos sobre a defasagem do meio anterior). O rádio hoje é uma potência noticiosa gigantesca, com uma baita influência”, exemplifica.
“Acho que o jornalismo passou muito tempo pensando naquilo que perdia: ‘Ah, agora as pessoas consomem notícia de graça, não compram mais jornal’. Houve uma mudança enorme no modelo de negócio, sem dúvidas, e muitos veículos decidiram abandonar o impresso. Mas a gente percebe que ainda tem um público enorme que gosta do jornal impresso, que tem o hábito do consumo do impresso como organizador dessa quantidade enorme de informações — então a função da seleção e da edição passa a ser muito relevante”, adiciona Érico. “Mas, para além disso, a internet trouxe possibilidades para o jornalismo muito grandes.”
Dentre essas possibilidades, o editor do O POVO destaca a redução no custeio que a internet viabilizou.
“Há duas décadas, fazer jornalismo audiovisual era na televisão e era muito caro. Hoje, O POVO tem uma presença audiovisual noticiosa cotidiana, a gente entra de Brasília ao vivo todos os dias, temos produção de documentários, de longas, inclusive. Essas são algumas das possibilidades que o digital apresenta. Quando a gente fala deste jornal de 95 anos, não tenho dúvida ao afirmar que nunca a marca O POVO foi tão lida e tão forte quanto é hoje, em 2023.”
A equipe de reportagem do O POVO, seus editores e diretores compreendem o digital como transversal ao conteúdo. Hoje, todas as produções são pensadas em multiplataformas, aumentando a experiência do usuário com a notícia.
“A internet é desafiadora, então precisamos entender a característica do meio. A gente teve que aprender a ser informal, porque a minha geração formada ali nos anos 2000 ainda carrega muito do jornalismo clássico tradicional”, ri-se Érico. “A internet quebra um pouco essa rigidez, essa formalidade, mas também é importante encontrar os limites, responsabilidades. Ao longo de 95 anos, a seriedade, a qualidade da informação, a força da análise e da opinião responsável permanecem”, adiciona.
“Nossa força se soma no Instagram, no Facebook, nas rádios, e o jornal impresso segue como um carro-chefe incrível. Sempre me lembro de uma crítica que li, que relembra que não é porque não estamos escrevendo hoje em papiros ou em pergaminhos que a natureza do livro, da informação e do conteúdo se perde”, arremata o editor Érico Firmo.
“O jornalismo nunca foi definido pela plataforma, então nunca foi o papel que definiu o jornal. Embora o papel siga como uma plataforma muito querida pelo público, o que define nunca é a plataforma: sempre é o conteúdo, a qualidade, a credibilidade e a confiança. Isso é fundamental e sempre vai ser.”
“Nosso compromisso maior é com o leitor”. Na sentença que abre o Programa Editorial do O POVO, disponível para acesso público no portal do jornal, o periódico pactua com a sociedade seu papel: contribuir para a formação de uma consciência crítica da comunidade, procurando estimular o surgimento e o debate de novas ideias e a discussão e o aprofundamento de questões não resolvidas.
O fortalecimento das instituições e liberdades democráticas sempre guiou o trabalho do grupo de comunicação. Nesse sentido, o veículo atua em três frentes primordiais de diálogo — a manutenção do cargo de ombudsman, o Conselho Editorial e o Conselho Consultivo de Leitores.
Termo de origem sueca, ombudsman significa “representante do cidadão” ou “provedor da justiça”. A figura surgiu em 1809, nos países escandinavos, com a função de mediar e buscar soluções para as reclamações da população no Parlamento.
Na imprensa, por sua vez, a função passou a ser exercida em 1960 nos Estados Unidos. No Brasil, o primeiro jornal a adotá-lo foi a Folha de S. Paulo, em 1989.
Em 1994, O POVO adotou o cargo de ombudsman, reforçando a política do jornal em ter uma relação transparente com o leitor. Até hoje, o veículo cearense e a Folha de S. Paulo são os dois únicos jornais brasileiros que mantêm a função. Além de ouvir o leitor, o ombudsman é responsável por realizar uma avaliação interna diária e elaborar uma coluna pública.
O profissional é escolhido diretamente pelo presidente do Grupo, com mandato de um ano. Para garantir sua autonomia, o ombudsman tem estabilidade funcional durante todo o seu mandato e nos seis meses seguintes.
Ponte entre a comunidade e o jornal, o ombudsman tem obrigação de checar críticas, denúncias, reclamações e sugestões, encaminhando-as a quem de direito, cobrando, posteriormente, respostas sobre elas, dando ciência a quem gerou a demanda, além de fazer análise crítica de cada edição do jornal impresso, da versão on-line e suas mídias eletrônicas. Tudo isso garante um exercício cotidiano de credibilidade.
A jornalista, professora e radialista Adísia Sá foi a primeira ombudsman do O POVO. Adísia iniciou a carreira escrevendo a coluna “O Julgamento de Eva”, no jornal O Estado. Recém-formada, foi a primeira mulher a integrar a redação de um jornal no Ceará e a primeira repórter policial feminina.
Em janeiro de 2014, ela recebeu o diploma de ombudsman emérita das mãos de Luciana Dummar. Atualmente, a jornalista Joelma Leal, que foi editora-executiva do Anuário do Ceará durante sete anos, ocupa o cargo na gestão 2023/2024.
Quatro anos após instituir o cargo de ombudsman, em 1998, O POVO criou um Conselho Consultivo de Leitores, que se reúne mensalmente para avaliar sua cobertura editorial.
O Conselho é composto por cerca de 15 integrantes, escolhidos pela própria redação, para um mandato de um ano — com possibilidade de recondução de dois integrantes para o ano seguinte. Uma de suas principais características é a diversidade de perfis sociais, de modo a representar a pluralidade de público.
Vladimir Spinelli, provedor da Santa Casa de Misericórdia, integrou o Conselho de Leitores ao longo de dois mandatos. A relação do leitor com O POVO foi importante para construir seu laço com o Ceará: “Cheguei a Fortaleza em 1973 para participar de um curso do Banco do Nordeste e ingressar no departamento de assessoria que na época envolvia marketing e relações públicas, então a gente precisava ter contato com periódicos do Brasil inteiro, falando principalmente da região, de agronomia, de bancos… Esses foram os meus primeiros contatos com O POVO. Logo depois, eu me tornei um dos seus assinantes”, relembra.
“Na década de 1980, comecei a servir ao Governo do Estado e a minha relação com O POVO se aproximou mais ainda. Aprendemos muito sobre o Ceará e vimos diversos acontecimentos durante esse período através das páginas do jornal. Inegavelmente, é um veículo muito forte não apenas no Ceará, mas no Brasil todo”.
Em 2017, Vladimir foi convidado pela redação para assumir uma vaga no Conselho de Leitores. “Para minha surpresa e alegria”, compartilha.
“Eu passei dois anos na função e foi muito gratificante. Nesse período, aprendi ainda mais sobre jornalismo — em particular, aprendi muito sobre O POVO — por meio da convivência com pessoas muito diferentes entre si, mas todas preocupadas em fazer um bom jornal. Quem está dentro do jornal precisa também desta visão de quem está fora. As sugestões abriam para o jornal outras oportunidades, outros olhares, o que de fato traz ao O POVO um crescimento muito grande. O Conselho de Leitores é algo permanente, daquelas instituições que não devem acabar nunca”, aspira.
Em seus artigos publicados no jornal, Vladimir aborda política, comportamento das pessoas, exploração de mártires, a Santa Casa da Misericórdia e a realidade do hospital.
“A liberdade de escrever todo mês é um exercício extremamente interessante. Acompanhar os 95 anos de história do O POVO é acompanhar uma vida, uma grande vida. O jornal O POVO tem essa vivência com o povo cearense e, ao longo de todo esse tempo, tem sido um órgão de divulgação de informação que conviveu com a história do povo daqui. Narrou momentos de alegria, grandes tragédias, questões políticas, questões religiosas, esporte… Então, há uma integração muito grande, e isso contribui também para a formação do povo do estado do Ceará”, conclui.
A marca O POVO, ao longo de 95 anos, expandiu-se e atravessou as margens do papel. "A compreensão da amplitude de nossa marca passa por uma avaliação social do cenário em que vivemos: nunca tivemos tantos dados, mas nunca foi tão difícil concatená-los em informação. A curadoria passa a ser essencial e o conteúdo se consolida como o principal diferencial competitivo para uma vasta diversidade de indústrias. Conscientes do papel líquido e estratégico que a comunicação passa a ter em outros negócios e cientes da responsabilidade que isso gera, consolidamos a marca O POVO para abraçar este momento", elucida André Filipe Dummar, diretor de Estratégia Digital no Grupo de Comunicação O POVO e CEO da Casa Azul Ventures.
"Como elemento de conexão em tudo o que fazemos está a educação, cuja atuação está representada em nosso papel de mantenedor da Fundação Demócrito Rocha, uma instituição que vem transformando realidades por meio da Universidade Aberta do Nordeste (Uane), Editora Demócrito Rocha e Canal FDR. Trabalhamos também uma vertical de tecnologia e novos negócios, que representa o conjunto de iniciativas de expansão do grupo, dentre as quais eu destacaria a Casa Azul Ventures, nossa aceleradora de startups, que nos últimos seis anos acelerou mais de 80 negócios e se consolidou como um dos mais relevantes agentes de fomento do Ecossistema Nordestino de Inovação”, complementa.
O POVO, desde a sua fundação em 1928, norteia suas práticas pela inovação: no design gráfico, nas temáticas apresentadas ao longo dos anos, nos modos de contar tantas histórias e na vanguarda do exercício jornalístico.
Tudo muda, mas muito se mantém: “Como o reforço ao jornalismo raiz, profundo, reflexivo, propositivo, que apura, debate e expõem não para si, mas para o todo. Um jornalismo comprometido com a sociedade”, arremata André Filipe.
Para Luciana Dummar, presidente institucional O POVO desde 2008, as mudanças integram o compromisso do jornal com a sociedade.
"O jornalismo deve ampliar as fronteiras para alargar o debate e atingir um público que sempre vai precisar da informação. Entendemos que o jornalismo, nesta era cada vez mais globalizada, precisa descentralizar as informações — isso significa conferir visibilidade aos problemas da comunidade em que estamos inseridos, amplificando a voz dos cidadãos locais; e, no caminho inverso, trazendo as questões dos grandes centros para pautar o debate local, numa retroalimentação que ratifica o poder de mobilização social das mídias. É assim que todo dia, em toda plataforma, o Grupo renova seu legado com o público".
Em tão somente cinco anos, O POVO alcançará a marca de jornal centenário.
"E já estamos trabalhando para isso", adianta Luciana Dummar. "Chegaremos lá não com o mesmo vigor ou a mesma empolgação de 1928: chegaremos mais fortes, mais empolgados e mais confiantes no que fazemos e para quem fazemos. Eu acredito em time, em quem trabalha e vive por um propósito. No O POVO, nós temos um time unido, livre e pronto para seguir. Essa é a receita para chegar a essa data símbolo de gerações que não se intimidaram".