O torcedor cearense tem se acostumado a ver Ceará e Fortaleza nas principais competições do Brasil e, mais recentemente, da América do Sul.
O brilho dos dois rivais dentro de campo, facilmente notado, é fruto de um trabalho de profissionalização que tem sido desenvolvido a médio prazo, com muito ainda a crescer. Para quem não acompanhou o processo, pode não ser tão fácil enxergar o tamanho da mudança.
Basta, no entanto, voltar uma década para compreender o tamanho do salto que Tricolor e Alvinegro deram em termos de gestão e estrutura. Em 2012, o então presidente Evandro Leitão, do Ceará, já havia recuperado bastante o clube, que ele assumiu em gravíssima situação financeira alguns anos antes, mas a equipe acabara de descer para a Série B do Brasileiro, o que representava um baque nas receitas, para além dos déficits altos anteriores. Naque- le ano, o Alvinegro sequer tinha seu Centro de Treinamento para a base.
Na mesma época, o Fortaleza vivia o pesa- delo da Série C, que ainda duraria mais cinco anos, com três trocas de direção nesse período. Não raro, o Tricolor precisava de um me- cenas no comando para emprestar dinheiro e fazer as contas fecharem. O programa de só- cios-torcedores ainda engatinhava, e o grande marketing daquele ano fora a contratação do meia-atacante Geraldo, que tinha a missão de vender perucas com as tranças que o jogador usava, pintadas de vermelho, azul e branco.
Ainda sem Copa do Nordeste — que foi retomada em 2013 —, o Campeonato Cearense era bastante visado, por ser o único título possível da temporada e porta de entrada para Copa do Brasil, já que a posição no ranking dos dois maiores clubes cearenses não os garantiam no rentável torneio.
Comparar os cenários causa até a sensação de que o tempo entre eles é maior, dado o abis- mo. As mudanças começaram pela maneira como os clubes são administrados. No Ceará, em 2015, assumiu a presidência Robinson de Castro, que trouxe para dentro de Porangabuçu a experiência que tinha no mercado da contabilidade. No Fortaleza, desde 2018, responde pelo futebol do clube Marcelo Paz, um empreendedor e administrador, que implantou no Pici a cultura do planejamento e da execução. Ambos passaram a olhar para seus times como empresas. Não havia outra solução.
Gastar somente o que podia, eliminar as dívidas na medida do possível e ganhar credibi- lidade no mercado foram os primeiros passos. Hoje, os dois principais times cearenses competem por jogadores com equipes tradicionais do País, em que pese muitos clubes — casos de Bahia, Botafogo, Vasco e Cruzeiro, por exemplo — terem criado as SAFs (Sociedades Anônimas do Futebol), recebendo volumosos investimentos e tendo, desde então, donos.
É verdade que, em 2022, o Ceará travou seu crescimento com a queda para a Série B e, em 2023 (apesar do importante título da Copa do Nordeste), também não conseguiu o acesso, gerando perda grande de receita, críticas de torcedores e precisando conviver com dívidas, assumidas pela diretoria. Voltar ao patamar de ser um clube disputando a primeira divisão é urgente.
O Fortaleza se manteve na Série A, agora por seis anos seguidos (2019-2024), tem dominado o cenário do Campeonato Cearense e chegou até a final da Copa Sul-Americana, sendo derrotado nos pênaltis pela LDU. O título não veio por pouco, mas as temporadas recentes coroam um trabalho extremamente positivo e organizado, sendo marcante e histórico na região Nordeste, com reconhecimento nacional.
Relevante lembrar o trabalho de base, valorizado também. O investimento de ambos é muito maior no setor do que em décadas passadas, com o desenvolvimento de um time de transição, em que são colocados jovens captados de outras equipes, e uma estruturação dos CTs — o Ceará concluiu a compra da Cidade Vozão e o Fortaleza reativou e aparelhou o CT Ribamar Bezerra desde 2018.
Associado a isso está o investimento em tecnologia e dados de informação. Interna- mente, os atletas contam com o que há de mais moderno para preparação, recuperação e desenvolvimento pessoal. Externamente, os dois clubes descobrem novos mercados, novas oportunidades de negócio e outros meios de se conectar com o torcedor. São cerca de 80 mil sócios-torcedores na soma de ambos, com um potencial enorme de crescimento, que precisa ser constantemente explorado.
As massas têm respondido bem a isso, consumindo produtos, associando-se e até gerando o valor que patrocinadores de equipes de futebol tanto buscam. Com o cenário azeitado, as condições para se desenvolver um bom futebol em campo são propícias. Quanto mais a comissão técnica e os jogadores mantiverem o foco apenas nas quatro linhas, melhores serão os resultados.
O Fortaleza vive seu melhor momento na história sob todos os aspectos (tornou-se SAF, mas ainda sem investidores proprietários) e o objetivo, ano após ano, é a manutenção na primeira divisão do Campeonato Brasileiro, seguindo no rumo do crescimento em todos os níveis e competições.
Em relação ao Ceará, o título estadual de 2024 pode servir como embalo e confiança para retomar o caminho da Série A, aproveitando a boa estrutura construída pelo clube nos anos recentes. No futebol, a organização dentro de campo é tão decisiva quanto a organização fora dos gramados.
Fernando Graziani, Editor-chefe de Esportes no O POVO