O Ceará foi sempre marcado por muitos talentos com atuação nacional na economia política e líderes que empunharam espadas em momentos de trevas para ideias iluminadas que pudessem encontrar novos equilíbrios nos movimentos sociais e econômicos. Foram muitos os cearenses que mudaram ou influenciaram o curso da história, seja na abolição dos escravos – antecipada na cidade de Redenção, seja no regime militar de 64 – com Castelo Branco, até o Araguaia – com José Neto. Para o bem ou para o mal, de pendendo do ponto de vista, muitos dos ilustres do passado fizeram a diferença na luta por suas crenças.
Na esfera religiosa, Padre Cícero tirou a fome de uma família como milagre iluminado das lamparinas. Na cultura, nomes como Rachel de Queiroz, José de Alencar, Domingos Olímpio, Adolfo Caminha, Patativa do Assaré e outros iluminados retrataram, em seus romances, as secas e misérias na história econômica e social de um povo assolado por intempéries que lhe trouxeram tantas mazelas. Retratos de um Interior dominado por muitos grupos políticos que têm culto à posse do Estado e sacrificam inclusive suas riquezas. Assim, aprendemos os significados do coronelismo, dos jagunços e de domínios da "entourage" (substantivo que retrata o adjetivo dos que têm acesso ao poder), que cercam a maioria das crônicas do mundo moderno e o contraste gerado pelos atrasos. Muitas vezes, a leitura de uma ignorância pragmática definindo o pragmatismo como capacidade de síntese. No bom método científico, a síntese sem os aprofundamentos da Tese e da Antítese, prós e contras, é juízo de valor de um indivíduo dotado de cargo, mas sem conhecimento para as decisões.
O curso da história mundial não foi diferente no que diz respeito à característica milenar dos impérios. A seca fenômeno do antigo Egito, revelada nos tempos de vacas magras e das vacas gordas do sonho do Faraó (Gênesis 41.4) lido por José, em 1500 a.C., conseguiu ser eficiente na gestão dos recursos na abundância e na escassez. Os momentos de crises sempre alternaram as forças de poder, sejam nas conquistas, sejam nas revoluções. Desde a pobreza avassaladora e impostos extorsivos que levaram à Revolução Francesa até eventos mais recentes como a construção de um “estado forte” no mercantilismo, alterado pelas visões liberais do século XIX. Doutra forma, novos conceitos introduzindo um “estado forte” como intervencionista na busca por alterar as expectativas nada animadoras da crise de 1929. O caminho foi árduo, culminando nas guerras de escala global e depois, na Guerra Fria, nas disputas regionais e locais, a exemplo do Vietnam e do Oriente Médio. Esgotava-se um “novo” ciclo do Estado com o excessivo gasto público e se criavam as pré-condições para um novo liberalismo e/ou construções neoliberais contemporâneas e suas contradições. Essas são as características de tantas disputas por riquezas e poder no mundo contemporâneo e evidências da narrativa Hobbesiana no Leviatã. O contexto histórico mostra uma alternância de liberalismos-Keynesianismos-neoliberalismos-neokeynesianismos repetindo-se em novos padrões dentro da dinâmica das relações econômicas e sociais. A natural ciclotimia ao longo do tempo é vista na literatura na ascensão e na queda de impérios e nações, narradas por Paul Kennedy (1987) e John Darwin (2015).
A atual agenda traz políticas de confronto ao tamanho do Estado, via desestatizações, parcerias como setor privado, em concessões, e maior abertura econômica, tanto na corrente de comércio, importações e exportações, como nos mecanismos que possam incentivar o investimento estrangeiro direto.
Nos anos 1980, o consenso de Washington liderado por Margareth Thatcher e Reagan, considerando as aberturas econômicas, seguiu a mesma direção. Em meados dos anos 1990, uma nova aprendizagem, com Bill Clinton e Tony Blair, o liberalismo redesenhado cunhou uma Terceira Via – o liberalismo social, linha tênue com a social-democracia. Os resultados entre a agenda atual do Governo brasileiro e os movimentos internacionais dos anos 80 e 90, embora semelhantes, não incluem ingredientes socioambientais da grande redefinição (great reset), cunhada por Klaus Schwab (WEF, 2020). A bioeconomia ganhou espaço na agenda global. Trata-se de usar adequadamente os recursos naturais e minimizar os desperdícios.
Em função do histórico déficit brasileiro em conta corrente e de uma maior indução às exportações, principalmente de commodities agrícolas, o mainstream traz uma contradição aos jacobinos: há ideologia por trás de ações econômicas dessa natureza? Provavelmente sim, mas as evidências mostram que o que existe mesmo são práticas políticas para uma sociedade que continua com precariedades e problemas estruturais ainda sem direcionamentos no longo prazo. Os “projetos de poder” dissipam as discussões sobre o que seria melhor para asociedade amanhã em detrimento de atender aos grupos de interesse ou ao fisiologismo político-partidário pela governabilidade imediata. Planejamentos ou planos de Estado não dão voto no curto prazo –talvez até por isso regimes políticos não democráticos ou com pouca participação e representatividade oferecem mais obras “a olho nu”, reforçando uma visão populista.
A doutrina em vigor busca maior abertura comercial e ausência de controle de preços de energia/combustível, câmbio livre, programas de maiores investimentos privados (não contraditórios à justiça social, com intenção de maior respeito à liberdade de concorrência e às liberdades individuais), aplicação do conceito de mérito para ascensão a carreiras públicas e ao poder, em vez do privilégio, reforçam a retórica dos pilares neoliberais. Mas, quanto mais desigual é uma sociedade, pior ela acaba ficando quando o Estado não consegue, por restrições financeiras e orçamentárias, cumprir seu papel básico. A discussão pode não chegar à conclusão sobre o que é melhor. No entanto, devemos refletir sobre como as escolhas dos governantes são postas e se controles sociais, para a transparência e ações contra a corrupção, podem reduzir os hiatos da sociedade.
Há ainda questões importantes a serem observadas, especificamente sobre preços justos, viabilidades econômico-financeiras dos equipamentos públicos colocados à iniciativa privada, a forma de financiamento por bancos públicos e a garantia do melhor funcionamento do Estado para a sociedade. Precisamos de caminhos claros para a política econômica local e federal. Já temos a incerteza global, o que torna necessário minimizar os riscos locais, e recuperar a capacidade do Estado em investir e, assim, atender às contumazes precariedades que atravessaram séculos sem solução, como atualmente ainda não se consegue universalizar o saneamento básico.
Nossa Terra não pode ter milagres como o das Lamparinas. Não podemos viver mais um ciclo de breu sem construções estruturais e investimentos importantes para alterar tantas precariedades. Deve-se buscar corrigir as prioridades e não criar desequilíbrios econômicos, num cenário agravado por crises sanitária, econômica, social e político-institucional – a tal "tempestade mais-que-perfeita” vivida durante a pandemia.
Nesse mister da inteligência, a mudança de época em curso discute uma transformação digital observando a competitividade. Nas corporações, ambientes de Inteligência de Mercado e, nos governos, o aprofundamento da Inteligência de Estado com Big Datas, Data Analytics, IA e muitos instrumentos de interatividade e engajamento de clientes e cidadãos, conforme o "Foco", mas para quem é protagonista na sociedade, principalmente os mais vulneráveis. Penso que a palavra “disruptura” tem seus atrasos. A “disruptura” ocorre em um ambiente maculado pelas restrições bem ditas para os mais cartesianos. Um exemplo é a indústria aeroespacial, com necessidades claras de hidrocarbonetos, no avanço da transição energética justa, limitada pela decisão da prioridade. No Globo seguem Space X ou Blue Origin, Musk versus Bezzos, ou os gigantes Boeing e Airbus, no Brasila Agência Espacial tenta encontrar caminhos nesse universo. No Ceará, quem sabe base de lançamento de foguetes para lançamentos de microssatélites, ou mesmo o avanço de drones e vants (veículo aéreo não tripulado). Mundo instigante para superarmos atrasos. Venha o novo iluminismo!
Pensando bem, deve ser por essas reflexões que os realistas tratamos liberais por utópicos-idealistas. A compreensão das imperfeições do Estado e do mercado é real e reflete a necessidade de cooperações eintegrações para superar adversidades e encontrar novas realidades e modelos disruptivos que ofereçam local e globalmente postos de trabalho e geração de renda. É esse o espaço para o desenvolvimento sustentável no Novo Iluminismo e, quem sabe, para alcançarmos o desafio de sermos a nova Terra da Luze da esperança.
Célio Fernando B Melo, economista