Um novo cenário que precisa ser perene

Publicado 16:05 | 31 de jul de 2023

O torcedor cearense tem se acostumado a ver Ceará e Fortaleza nas principais competições do Brasil e mais recentemente da América do Sul. O brilho dos dois rivais dentro de campo, facilmente notado, é fruto de um trabalho de profissionalização que tem sido desenvolvido a médio prazo.


Para quem não acompanhou o processo, pode não ser tão fácil enxergar o tamanho da mudança. Basta, no entanto, voltar uma década para compreender o tamanho do salto que Vovô e Leão deram em termos de gestão e estrutura. Em 2012, o então presidente Evandro Leitão, do Ceará, já havia recuperado bastante o clube, que ele assumiu em gravíssima situação financeira alguns anos antes, mas a equipe acabara de descer para a Série B do Brasileiro, o que representava um baque nas receitas, para além dos déficits altos anteriores.


Naquele ano, o Alvinegro sequer tinha seu Centro de Treinamento para a base. Na mesma época, o Fortaleza vivia o pesadelo da Série C, que ainda duraria mais cinco anos, com três trocas de direção nesse período. Não raro, o Tricolor precisava de um mecenas no comando para emprestar dinheiro e fazer as contas fecharem.


O programa de sócios-torcedores ainda engatinhava e o grande marketing daquele ano fora a contratação do meia-atacante Geraldo, que tinha a missão de vender perucas com as tranças que o jogador usava, pintadas de vermelho, azul e branco. Ainda sem Copa do Nordeste — que foi retomada em 2013 — o Campeonato Cearense ainda era bastante visado, por ser o único título possível da temporada e porta de entrada para Copa do Brasil, já que a posição no ranking dos dois maiores clubes cearenses não o garantiam no rentável torneio.


Comparar os cenários causa até a sensação de que o tempo entre eles é maior, dado o abismo. As mudanças começaram pela maneira que os clubes são administrados. No Ceará, em 2015, assumiu a presidência Robinson de Castro, um homem dos números, que trouxe para dentro de Porangabuçu a experiência que tinha no mercado da contabilidade. No Fortaleza, desde 2018, responde pelo clube Marcelo Paz, um empreendedor e administrador, que implantou no Pici a cultura do planejamento e execução. Ambos passaram a olhar para seus times como empresas.


Não havia outra solução. Gastar somente o que podia, eliminar as dívidas na medida do possível e ganhar credibilidade no mercado foi o primeiro passo. Hoje, são os clubes com menor passivo na elite do futebol brasileiro e competem por jogadores com equipes tradicionais do País.


Atualmente, times do chamado “eixo”, como Vasco, Botafogo e Cruzeiro, por exemplo, têm se reforçado com atletas que já não estão nos planos dos nossos clubes. Jogadores são tratados como ativos e, organizados financeiramente, Tricolor e Alvinegro passaram a comprar direitos econômicos de atletas, com o intuito de ter retorno financeiro após usufruir do retorno técnico. Com isso, Ceará e Fortaleza viraram peças ativas no mercado da bola. Em paralelo, o trabalho de base foi valorizado.


O investimento de ambos é muito maior no setor, com o desenvolvimento de um time de transição, onde são colocados jovens captados de outras equipes, e uma estruturação dos CTs — o Ceará concluiu a compra da Cidade Vozão e o Fortaleza reativou e aparelhou o CT Ribamar Bezerra desde 2018.


Associado a isso está o investimento em tecnologia e dados de informação. Internamente, os atletas contam com o que há de mais moderno para preparação, recuperação e  desenvolvimento pessoal. Externamente, os dois clubes descobrem novos mercados, novas oportunidades de negócio e outros meios de se conectar com o torcedor. Já são quase 100 mil sócios-torcedores na soma de ambos.


As massas têm respondido bem a isso, consumindo produtos, se associando e até gerando o valor que patrocinadores de equipes de futebol tanto buscam. Com o cenário azeitado, as condições para se desenvolver um bom futebol em campo são propícias. Quanto mais a comissão técnica e os jogadores mantiverem o foco apenas nas quatro linhas, melhores serão os resultados.


Ceará e Fortaleza chegaram em outro patamar e vivem seus melhores momentos na história sob todos os aspectos. O objetivo, ano após ano, é a manutenção na primeira divisão do Campeonato Brasileiro. E por mais que o esporte não seja uma ciência exata, a bola não entra por acaso.



Fernando Graziani

Fernando Graziani, editor-chefe de Esportes do Grupo O POVO